Saí de mim mesmo,
como quem sai à procura da promessa da noite.
Era insuportável esse ninho enfadonho
onde sempre me acontecera.
De tanto ser quem fora,
enjeitara a lição dos pés no desejo dos trilhos.
Todos os dias eram um recomeço desbotado
sob os lençóis com que amortalhava o olhar.
Fui então congeminar imprudências
à soleira da coragem.
Percorri desertos até ao limite do cansaço,
amarrotei desejos na distância triste,
trafiquei sombras entre as horas calcinadas.
Mas nada colhi na seara dos sonhos infrutíferos.
Regressar era o destino aberto no exílio que amara.
E assim voltei à morada que fora
no monótono sopé da solidão.
Num dia qualquer,
quando o vento bramia junto às orelhas da noite,
bati, inseguro, à porta de mim mesmo.
Porém, detrás da porta era o silêncio mudo
como um troféu à fome que fora.
***
Em cima da cama, a desolação de um poeta,
de pés e mãos amarrados e o pescoço degolado
como aos poetas há de convir
quando amam saltar do trapézio de todas as vicissitudes,
habitados pela solidão do amor que nunca terão,
pela derrota do corpo afogado
sob os lençóis tingidos de agonia e prazer.
Ao lado, as marcas dos passos que nunca serão dados
nos sapatos engraxados de atacadores deslaçados
à espera dos pés que nunca se hão de ajustar à desilusão dos dias.
Os olhos perplexos, mas desconformes à vida,
viram decerto esse conluio entre a morte e o ódio.
Porém, a boca cerrada nada dirá de tudo quanto soube.
E calará ainda os poemas que deixou por dizer,
espalhados sobre o solo dos dias que nunca nascerão.
O poeta veio, num tempo frio, ao calor do quarto
na companhia do lume raiando labaredas pelas paredes nuas
enquanto se contorcia no cio de todos os desejos.
E dali não houve fuga,
apenas o balanço de tudo quanto ousou
na antologia do corpo declamando-se ao silêncio do quarto.
***