A problemática de Deus em José Saramago
Caim ou a natureza de deus Caim (2009), o último romance publicado em vida do autor, um pequeno volume mas singular e precioso por nele Saramago exprimir de um modo absoluto e transparente a sua visão do mundo e a sua oficina de escrita. Caim é igualmente o cúmulo da “fase da pedra”, iniciada em […]
EM ESFORÇO DE INVESTIGAÇÃO Sentes o mais longo tempo da tua vida numa só palavra.Eis o mundo nocturno em esforço de investigaçãoque em plano mais fechado somente expressa a vidaem profundidades graves e insondáveis. Escrita que é para ti um peso que se tenta reformular –e validar, em densidade, o sentido suspenso. Descobres então que […]
1 Parto em quatro o círculo da pizzaum para mim, outro para tie mais dois que dou às aves de partida um copo de vinho tintoreserva ainda deste sabor por tina imobilidade que nos comeas palavras excessivas de queijo de ervas daninhasa crescerem-me no corposolto inúteis impropérios parto ainda as fatias que me cabeme mastigo […]
Ensaio sobre O Livro de Horas de Rilke
O vôo onírico de Rilke em O Livro de Horas «Aqui está um homem que decidiu ser um guerreiro solitário do poema.» Rainer Maria Rilke [1] A trilogia, que constitui O Livro de Horas[2], de Rainer Maria Rilke, consolida a viagem espiritual de Rilke, a par da maturidade poética, já bem visível em […]
Um ensaio (Auschwitz e a Genialidade do Mal)
“Onde o “Diabo tirava notas.” Auschwitz e a “Genialidade do Mal”. (Uma homenagem a Claude Lanzmann (escrito dias após a sua morte, 5 de Julho de 2018) Ainda desolado pela morte de Claude Lanzmann, o cineasta que mais admiro, escrevo com angústia. Vejam toda a sua obra cinematográfica “Shoah” (palavra hebraica para Holocausto) e filmes […]
Três poemas do livro "Altos Cumes"
Alvão Começava com a pulsação de um poemaa bater no peito dilatadoe com a mão inábil tentava afinaro assobio dos seus lábios ardentes Sentia o apelo dos lugares elevadosnas suas pernas e nos seus ombrosque o erguiam numa imprudênciade sangue quente pelos caminhos E lá do alto o vale deslizavasobre um glaciar por entre as […]
seis horas e uma claridade incipiente chispa sombras pendulares nas minhas pálpebras. os olhos resistem ao repto e retardam o encandeamento, sugerindo uma realidade de interpretação pessoal. o que está fora é uma tosca aproximação ao que está dentro. enquanto a luz se vai fazendo adulta, a memória desdobra o que foi em tudo o […]
Um ensaio sobre a poesia de Inês Lourenço
SEM MUSA E SEM REDENÇÃO: A POESIA DE INÊS LOURENÇO «Emudecer o afe[c]to português? Amputar a consoante que anima a vibração exa[cta] do abraço, a urgência tá[c]til do beijo? Eu não nasci nos Trópicos; preciso desta interna consoante para iluminar a névoa do meu dile[c]to norte.» Inês Lourenço, in Coisas que nunca, & etc., Lisboa, 2010, p.43. «I have let things slip, […]
Uma certa tensão sexual ou o parlapié do porco Há mais de quatro anos que não lanço um piropo. Desde que saiu aquela lei que proíbe um gajo de se meter com as miúdas. Nunca percebi qual é o problema, posso assegurar que a minha fraca criatividade nunca ofendeu ninguém. Sempre me limitei […]
AVISO 1. Alcancem o incenso branco [do nevoeiro do mar] que chega ao fim.Desnudem-se para que ao cair do dia, entrem, não desdenhem.(Aviso: Segurem as garrafas mesmo depois de beberem.Neste areal há sempre franjas arroxeadas, emaranhados, e mais parafernália. E a incerteza à sombra disso.)Triste? (Ouço a lamentação.Um outro amigo ri com um pé na […]
a estante é, em si, umahistória: as tuas escolhas,os teus dedos sobre o brancoagora que é tudo acabado:levo os meus livros, despimosessa estante: uma nudezque não consigo encarar: fui eu, texto, que meservi de ti: da tuasubjetividade, dessa loucavontade de transformar imagens,emoções, em palavras:amaldiçoo-te por isto, porme quereres matar: na perspetivado texto, isto é: na […]
COCAÍNA eu podia ter arrancado aos jardins a falsa verdade. abrir a grade imersa num saco de plástico pequenino onde guardavas três ou quatro filas de coca. ajudar-te a penetrar as pregas de um escuro cristalino onde marchava o argumento mais astuto. viajante atrás de um mal de seda. memória doce de um traficante a […]
Recensão de um livro de Hugo Milhanas Machado
Hugo Milhanas Machado: a meticulosa insurreição do verbo O mais recente livro de Hugo Milhanas Machado (Estrela Tambor, Editora Labirinto, 2020) acentua e homogeneíza alguns dos temas e dos procedimentos estilísticos suscetíveis já de ser encontrados em livros seus anteriores. Esta obra está dividida em duas secções: um, Estrela, que integra um grupo de quarenta […]
Um ensaio (Filosofia Social e Política)
A Barreira Invisível Contágio, confinamento, covid, Sars-CoV2, RT, cerca sanitária, PCR, antigénio, et coetera. Ainda no primeiro trimestre de 2020 começamos a ser inundados por uma bateria de acrónimos e lexemas que, na sequência do surgimento do coronavírus, se foram multiplicando, insinuando e tomando conta do quotidiano à medida que os meses passavam. Digo surgimento […]
//Posso parecer modesto no quererMas cuidaiÉ bem provável que seja apenasfingimentoQuero ser de estimação um osso— assim mesmoinvertido no sentidoQuero ver-me entre caninos alojadoe em saliva alheia redimido Eu seiperdoai-me a insolência Vós a quem a minha insignificância não é digna de qualquer metáforaperdoai-me também a existência— este delírio em forma de afrontamento Pesa sobre o que resta […]
dá-me de volta o amor, mesmo riscado e contaminado, dá-me o que importa, e o que não importa, o silêncio penhorado, e o musgo da sombra, que levaste no presépio da alegria, oh, dá-me o tempo das searas, e o pão que devíamos ter amassado, na poesia da nossa cama, dá-me a destreza de ter […]
o cansaço alonga-senas ruas da cidadeexilada sem rios para desaguara dorroça as paredes das casase espraia-se nos bancosdos jardins não há notícia das chuvasnem dos bandos de corposque mastigavam a sede sobrevivem meia dúzia de janelasindefesase os acenos da memória o último habitante feriu-sequando tentou escalaros dias a Ricardo Reis Mestre quando a guerra terminarfarei […]
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