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Poesia portuguesa
By José Pedro Leite Posted in Literatura, Poesia, Portugal on 11 de Fevereiro, 2025 405 words
Adepto da Bisca (Conto) Previous Cédula do Mundo de Izidro Alves (Recensão) Next

e havia mulheres imperecíveis
enganando o abismo podre do tempo
comungando cada filamento verde da memória
com matas na orla dos olhos e dos cabelos
e hibiscos de sombra e de esperma
e plantas de sementes desnudas
arranhando o solo

mulheres-tílias
fazendo da oquidão sua força secretíssima
mulheres-solenes e náuticas hospedarias de vento
com cargas nucleares intransponíveis
amarradas à dura proeminência das ancas
mulheres de grávidas águas
com frondosas casas saindo-lhes do mais íntimo das entranhas

havia mulheres murchas em sua véspera
e em seus condenados caminhos de pedras

havia mulheres ágeis
grandes felinos leves sob as mesas
mulheres misteriosas telepáticas
recolhidas intimamente ao desastre das estufas
entrançando coros de cestos enegrecidos
e refrões de angústias

havia mulheres de infatigáveis mãos
batendo e batendo a roupa e a cal
mulheres lacustres
feridas antigas
formadas por subterrâneas correntes
profundas
solitárias
uniformes
bordando ausências
visitadas por viajante nenhum

mulheres que envelheciam dobradas
mas
ainda assim
dignas sempre
e mais indómitas que a idade de deus

*_*_*

Na crosta dos campos
no árduo dia
que sobre os ombros em poeira se constitui
abres a foice
o fio da lâmina
do linho
ou do ar
que a tudo resiste
ao passo do tempo / à destruição das ruas
e negas-te a pronunciar a gestação da noite
a definida argila de um pássaro
os lugares a que uma vez pertenceste
e ainda que a eles não regresses
há-de escutar-te distante a aldeia
no extremo da tua palavra em chamas

e haverá na língua
um meridiano atento
uma fome de medula e de pedras
uma comunicação rente às ervas

Procuras no eco dos ossos
a jovem fundura da terra
e os mortos que sempre terminam nas ferramentas dos vivos

Respirar ou escrever
será então um hábito de esculpir jardins
uma celebração de fogos e de palácios de pedra

Estarás assim próximo do dia
e do corvo
que ao fundo
dentro do próprio grito se constrói

*_*_*

Quando for insuportável a beleza
dos lugares que conheceram
escrito com seixos
sem máscaras
o rizoma do nosso nome
ou a simples ideia da memória da casa
e esquecermos
a aldeia
e desgarrado
o som do amor ou do vinho
e invadir a armação da noite
um renque de luz
invernal
doente
e caírem e se fecharem
de pedra as grandes portas
afastar-nos-emos das árvores ermas
que enfileiram e congelam os objectos
na distância emudecidos

Olharemos para partir só
em cinza já o perfil dos braços
o incêndio que defenestrou as hastes das ervas
e morno ainda o corpo
sem saber explicar a morte

Tocaremos então
arrastados por animais siderais e absolutos
profusões de espelhos
para neles vermos
finito
o avesso dos nossos rostos
carbonizados

*_*_*


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