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Autores que cantaram o Douro (Ensaio, 1ª Parte, 3ª Secção)
Por José Paulo Pego Publicado em Ensaio, Literatura, Portugal a 24 de Janeiro, 2025 1275 palavras
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Autores que cantaram o Douro (primeira parte, terceira secção)

  1. Campos Monteiro, Ares da Minha Serra

Campos Monteiro (Torre de Moncorvo, 1876 – São Mamede de Infesta, 1934) foi médico, escritor, tradutor, deixou textos em várias publicações periódicas, exerceu cargos públicos. Revelou-se um autor polígrafo, a sua obra compreende poesia, prosa e peças de teatro.

Ares da Minha Serra. Novelas Trasmontanas, de 1933, traz vinco duriense. Reúne uma novela, A Tragédia de um Coração Simples, e dois contos, A Rebofa e Um Aviso do Céu.

No primeiro desses contos, a rebofa provocada pelo Douro embastecido frustra as colheitas de que dependia o sustento de um casal e condu-lo a um fim trágico. E a ação do segundo decorre, em grande parte, num barco rabelo que desce o Douro, da foz do Sabor à foz do Tua.

  1. Mário Bernardes Pereira, Escravidão

Mário Bernardes Pereira (Peso da Régua, 1897 – Porto, 1961) foi médico, escritor, autarca, exerceu cargos de direção no Instituto do Vinho do Porto e na corporação de bombeiros da terra que o viu nascer. Da sua pena saíram os romances Escravidão (1942) e A Quimera das Sete Vacas Gordas (1944), que versa sobre a exploração de volfrâmio em Trás-os-Montes.

Em Escravidão, Mário Bernardes Pereira narra o drama amoroso protagonizado por Paulo, Luísa e Genoveva. É um livro duriense, em cujas páginas o leitor encontra referências aos negócios do vinho, às vindimas, às rogas, à crise e ao receio de não conseguir vender as uvas.

  1. Antonio Machado, Orillas del Duero

Antonio Machado, um dos autores da Geração de 98, nasceu em Sevilha, em 1875, e morreu em Collioure, na França, em 1939. Durante a Guerra Civil Espanhola, alinhou com os republicanos, publicou textos em defesa da respetiva causa e viu-se forçado a deixar o seu país.

Aqui trago Orillas del Duero, publicado no livro Soledades. Galerías. Otros poemas, de 1907. É o primeiro poema no qual o autor, que até aí adotara modos intimistas e subjetivistas, segue uma linha descritiva que valoriza a paisagem, o cenário. «Se ha asomado una cigüeña a lo alto del campanario./Girando en torno a la torre y al caserón solitario,/ya las golondrinas chillan. Pasaron del blanco invierno,/de nevascas y ventiscas los crudos soplos de infierno./Es una tibia mañana./El sol calienta un poquito la pobre tierra soriana./Pasados los verdes pinos,/casi azules, primavera/se ve brotar en los finos/chopos de la carretera/y del río. El Duero corre, terso y mudo, mansamente./El campo parece, más que joven, adolescente./Entre las hierbas alguna humilde flor ha nacido,/azul o blanca. ¡Belleza del campo apenas florido,/y mística primavera!/¡Chopos del camino blanco, álamos de la ribera,/espuma de la montaña/ante la azul lejanía,/sol del día, claro día!/¡Hermosa tierra de España!»

Apresentei o poema em formato de prosa. Saiba o leitor que, nesta composição de Antonio Machado, nem sempre o início do verso está situado no início da linha.

A adjetivação é elementar, faz-se referência a um casarão solitário, a manhã é tépida, a terra é pobre e o sol só a aquece um pouquinho, a primavera chegou, mas apenas oferece alguma humilde flor. Fala-se, ainda assim, de uma terra formosa. E a exclamação final é um epifonema capaz de bulir com o leitor.

Em texto que sigo («“Orillas del Duero”, de Antonio Machado», in AAVV, El comentario de textos, Madrid, Editorial Castalia, 1973, pp. 271-284), Gregorio Salvador recorre à comutação — experimenta substituir palavras do poema por outras — e acaba por concluir, designadamente, que o adjetivo «claro» no penúltimo verso é insubstituível: ele é a dobradiça que une o corpo do poema ao verso final, ele é a palavra-dobradiça que a este dá sentido. Para tal adjetivo convergem, e nele se fundem, as alvuras, os brancos e os azuis que correm no poema (a neve, a flor, a espuma e as plumas das cegonhas são brancas…). E é toda essa claridade que torna formosa a terra de Espanha.

Afinal, o registo expositivo destituído de fulgores e a veia lírica que parece pobre escondem malha interessante e estas Orillas del Duero só desiludirão os que se quedarem pela observação da paramentaria.

  1. Agustina Bessa-Luís, Vale Abraão

Agustina Bessa-Luís (Vila Meã, Amarante, 1922 – Porto, 2019) é um dos grandes prosadores da literatura portuguesa. Dedicou-se à escrita, interveio na vida pública, integrou a Alta Autoridade para a Comunicação Social, foi diretora d’O Primeiro de Janeiro e do Teatro Nacional D. Maria II. A região do Douro, que conheceu logo nos verdes anos, deixou marca na sua obra.

Vale Abraão, de 1991, foi concebido como guião para um filme de Manoel de Oliveira. O palco da respetiva trama é a terra duriense (sobretudo três quintas aí situadas). Ela oferece o meio certo para apresentar Ema, a Bovary portuguesa, contrapondo-a a espíritos acanhados e provincianos, da burguesia e não só.

Agustina Bessa-Luís apresenta uma caraterização do lavrador local e descreve as residências dos terratenentes, a atmosfera que por lá reinava, o globo doméstico no qual circulavam patrões e criados.

O fio narrativo de Vale Abraão é sinuoso e abre para córregos onde alguma coisa se aprende a propósito da condição humana, da alma e dos modos dos homens e das mulheres, dos seus sentimentos e motivações. O romance contém passagens interessantes acerca da inveja, nomeadamente da inveja que as mulheres dirigem para outras mulheres.

  1. Hercília Agarez, As Asas da Libelinha e Memórias da Quinta da Touriga

Hercília Agarez nasceu em Vila Real, em 1944. Foi professora do ensino secundário, está aposentada. Escreveu ensaios — mormente sobre a obra de Miguel Torga —, crónicas, contos e poesia.

As Asas da Libelinha, de 2015, reúne poemas curtos compostos em jeito de haicu. Os títulos das três partes do livro (Percepções, Emoções e Reflexões) quadram com aquilo que na autora desata a observação das bagatelas do quotidiano e da vida campestre (também há referências à cidade).

Pelo livro passam, por exemplo, as sementeiras na primavera, a hora de verão e o tempo suplementar que ela concede para namorar a natureza, as flores de marmeleiro que prometem doçura quando outubro chegar, os tons que o outono põe na terra e que depois o inverno rouba; meninas de bibe que dão as mãos, casais de melros que namoram na cerejeira, cegonhas que nidificam em campanários; serras pintadas de branco, espigueiros vazios e saudosos de milho, vinhedos vaidosos, amendoeiras em flor, ciprestes do Douro. Hercília Agarez interpreta uma verdadeira sinfonia pastoral.

Cá fica um dos poemas em que a autora menciona o Douro: «Saquinhos de alfazema/aromatizam/intimidades…//Vinhedos vaidosos/miram-se no espelho:/Narcisos do Douro.»

Hercília Agarez publicou Memórias da Quinta da Touriga no seu livro Histórias que o Povo Tece. Contos do Marão (2011) e, em versão reformulada, numa antologia de escritos de autoras transmontanas que coorganizou, Por Longos Dias, Longos Anos, Fui Silêncio: uma Breve Antologia de Autoras Transmontanas (2015).

Nesse texto, recria espaços e ambientes de uma quinta do Douro, conta estória curiosa acerca da transmissão da respetiva propriedade, deixa registo interessante a propósito do regime patriarcal que vigorou na sociedade portuguesa e, decerto, em quintas do Douro.

© Fotos das publicações da autoria de Jurate Vaiciukaite


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