VESTÍGIOS DE UM QUÂNTICO INEVITÁVEL
No início parecem corvos
silhuetas prateadas alastrando líquida
a possibilidade boreal, vestígios de um quântico
inevitável em vaga suposição de estrelas
procuras uma face limpa
um preâmbulo com que arrepiar a incidência
em campo corpo de concentração
um segundo de nitidez
formas mínimas de transitoriedade
nutridas no aluimento da terra
às vezes a adequada ciência pede
do inexplicável uma tinta de poeta, e sobre
isso estender a longa escada do espanto
para que à tona sobrevenha a singular
nuance do efémero
o estreito caudal de resistência
de que apenas tocamos uma semi-breve
em absoluto sintético.
*-*-*
Estendes-te sobre a escrivaninha antiga
a decantar átomos, reflexos, omissões
uma infinitude de subtilezas
drapeadas à média luz. delírios avant-garde
sobre as múltiplas intensidades do corpo
é um trabalho cuidadoso de silêncios
interferências, versos brancos e terramotos
não convencionais. alguma coisa
que não sabe ou não pode ainda nascer
ensaias o momento de corte
o gatilho onde a seiva nutre o espanto
um holofote que alcance
em pleno voo os ossos da transcriação
podes também escutar Agamben
parafraseando Wittgenstein
repetir até que a dor se separe:
a poesia deve-se apenas filosofá-la.
*-*-*
Guarda as tuas fissuras
só elas te ensinam como é depois de cair
o que sobra no fundo de qualquer
dialecto onde somos todos barro de arremesso
recolhe as imagens e dobra a interrogação
pelos colarinhos. reserva-te um pouco
para as horas de sede
terás o necessário para um revolução.
*-*-*
Poemas do livro Atirar um Osso à Espera, Edições Húmus, 2024.