LA PARTIDA
Pronto dejaremos esta casa,
las lilas que nacieron sin sembrarlas,
el tomate que plantó la abuela
cuando estuvo de visita, y los robles viejos
de hojas pequeñitas.
Nos marcharemos -ya poco falta-,
el hogar será el inmueble solamente,
una cosa en venta,
una cosa en el mercado.
Cuartos vacíos
sin aromas sin libros sin cenas sin oficios.
El hogar será
el ladrillo del olvido.
*-*-*
A PARTIDA
Em breve deixaremos esta casa,
os lilases que nasceram sem serem semeados,
o tomate que a avó plantou
quando esteve de visita,
e os velhos carvalhos
de pequeninas folhas.
Partiremos – já falta pouco -,
a casa será apenas um imóvel,
uma coisa à venda,
uma coisa no mercado.
Quartos vazios
sem cheiros sem livros sem jantares sem negócios.
A casa será
o fardo do esquecimento.
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RITUALES
Recoger botellas de vino en la mañana
y esperar en su vacío las respuestas.
Apuntar más de un verso
en las pupilas de mi gato,
el ritmo en sus pasos de pantera.
Retornar al río hijastro del deshielo,
a la tarde detrás de las lomas coloradas.
Hundir los dedos en la nieve,
perder el tacto de los días.
Voltear hacia el desierto
desempolvar al dinosaurio
y dejar que sobreviva de mis huesos.
Caminar la yerba seca de los filos,
lo perdido en las orillas.
*-*-*
RITUAIS
Arrumar as garrafas do vinho pela manhã
e esperar no seu vazio as respostas.
Apontar mais de um verso
às pupilas do meu gato,
o ritmo em seus passos de pantera.
Regressar ao rio enteado do degelo,
à tarde, por detrás das colinas avermelhadas.
Enfiar os dedos na neve,
perder a noção dos dias.
Rodopiar na direção do deserto
limpar o pó ao dinossauro
e deixá-lo sobreviver nos meus ossos.
Caminhar pela erva seca dos cumes,
o outrora perdido pelas margens.
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NOSTÁLGICA
Son las seis de la tarde
y no hay nadie a quién decirle
venga para tomarnos
una taza de chocolate con rosquitas.
El portal está escrito
con los relatos del bisabuelo,
cuentos de aparecidos
que iluminaron la infancia.
Las sombras crecen
en las jorobas de la noche,
los coyotes muerden el tesón del viento.
Un tren en la distancia,
yo soy ese tren,
descendiendo las crestas de cañones.
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NOSTÁLGICA
São seis horas da tarde
e não há ninguém a quem possa dizer
que venha comigo tomar
uma chávena de chocolate com biscoitos.
O portal está escrito
com as histórias do bisavô,
contos de aparições
que iluminaram a infância.
As sombras crescem
nas bossas da noite,
os coiotes mordem a firmeza do vento.
Um comboio na distância,
eu sou esse comboio,
descendo os cumes dos desfiladeiros.
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LA QUE SE FUE
Camina en otras calles.
Sucumbe en otra lengua.
Lejos de su casa,
escoltada por el anonimato,
con la alforja vacía de país y herencia
asiste
al velatorio del espejismo.
Entre los monumentos de la muerte
ha olvidado:
de qué savia está hecha su sangre,
de qué oficio se yerguen sus huesos.
No quiso retornar cuando pudo,
es tarde
para alcanzar las carabelas.
Lo que dejó
se lo comió el apetito de la ausencia.
Volver al mismo mar
es volver a otro mar.
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A QUE PARTIU
Anda por outras ruas.
Sucumbe em outra língua.
Longe de sua casa,
escoltada pelo anonimato,
com o alforge vazio de país e de legado
assiste
ao velório das miragens.
Entre os monumentos da morte
esqueceu:
de que seiva é feito o seu sangue,
de que trabalhos se levantam os seus ossos.
Não quis retornar quando pôde,
agora é tarde
para recuperar as caravelas.
O que deixou para trás
foi devorado pelo apetite da ausência.
Regressar ao mesmo mar
é regressar a outro mar.
Traduções de Victor Oliveira Mateus
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Ana C Blum, nascida a 17 de março de 1972 em Guayaquil, Equador. Poeta, ensaísta, narradora. Publicou vários livros de poesia, ensaios e umas memórias de autoficção. Foi galardoada com prémios literários ao longo da sua carreira. Atualmente vive nos Estados Unidos, onde continua o seu trabalho literário e académico, contribuindo para o enriquecimento da literatura equatoriana e latino-americana.
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