Em jeito de homenagem aos grandes criativos da nossa língua comum, João Guimarães Rosa, José Cândido de Carvalho e Mia Couto:
RENOVAR A LÍNGUA É RENOVAR O MUNDO:
BRINCRIANDO PALAVRAS Brincriando palavras, escrevivendo: Ideio, impesquisada, matatempo, extraordem, desastragadamente, orfandante, imesclada, raivanando, moscamurro, enfuriar, desalegria, invejantes, velhamente, sozinhidão, copoanheiros, combeber, despedidosa, embriagatinhava, sorrissoteiro,indevassava-se, esquisitâncias, coisinhiquezas, azafamoso, dessurdo, prosperidoso, longemente, milmente, longeante, transmentiu-me, timidejante, sentimentiroso, arquifeliz, tãotanto, descareciam, fraternuras, desnamorar-se, contradesfeito, rancordiosa, proezista, pré-anterpartida, desrespondi, tardiador, inteligentudo, infimilhões;
E as expressões: O pão é que faz o cada dia; a vida é nunca e onde; a infelicidade é questão de prefixo; o que não quer ver é o melhor lince; todo abismo é navegável a barquinhos de papel; o que for tão claro como água suja; passou-lhe o nada pela cabeça; Deus do belo sofrido é servido; a desunião faz as enormes forças; a vida são coisas muito compridas; fazia era nada; arranjadinho de vantagens; esperar é um à-toa muito activo; foi de ziguezague, veio de zaguezigue; saiu com os pés na aurora; tardinho, na mata, o ar se some em preto; se alguém ouviu o visto, ninguém viu o ouvido; o amor é breve ou longo, como a arte e a vida; do mundo das inventações; todo o mundo tem onde cair morto; nem alegre ,nem triste, apenas o oposto; toda hora há moribundos nascendo; distrair saudades; topava era tristeza; acordou no tremeclarear; seu dinheiro estava já em aritméticas; era um silêncio quase calado; todo fim é exacto; o último íntimo, o mim de fundo; viver é obrigação sempre imediata; estórias de encompridar; onde há borboleta, está pronta a paisagem? (João Guimarães Rosa);
Doidoer, encrocodilar-se, convindançante, brincriar, chutapé, ternurar, pedinchorava, antefruia, milibrilhos, ordenoso, milimetrar, mortorista, multipingar, nuventania, obliquoso, omnimnésico, perguntação, pacatismo, palavralhão, inebrilhante, repetepete, ruar-se, rés-do-céu, pequeno-pouco, pensageiro, sonhatriz, estradear, sonhambulante, desinventar, bastantemente, anabelíssima, surgente, verticair, desexistir, embriagordo, gesticaldo; E as expressões: Em bicos de sonhos; espantar-se de boca e orelha; não ter onde cair vivo; por exemplo-me; vocabuliam-se dúvidas; homem mucoso, subserviente; o mundo não é o que existe, mas o que acontece; caso senão; pôr os iis nos pontos; maldito e feito; às horas do tempo; mais vale uma mão no pássaro; à porta da noite; o prometido não é devido?; não ter querer nem ser; chover a rios; não ter boca para tanto espanto; o coração sair pelos poros; por dádiva daquela palha (Mia Couto);
Padecente, severismo, mulatista, mal-educamentos, reconfortivo, cauda da semana, semana entrante, serviço subalternista, risadaria, endoidar, muito que bem, suspiroso, desensofrido, vassouragem dos bolsos, descostume, vadiações, jantei tristeza, suspiroso, emboramente, desimportante, tão servido de inocências, artimanhoso, severismo, trafegação, abusamento, minudências, talqualmente, vingancista, desinfeliz, galhofista, desconsenti, assuntar o vento, vadiamento, dormir remansoso (José Cândido de Carvalho)
CRIAR UMA GRAMÁTICA SENTIMENTAL, procurando projectar no espírito humano a imagem de uma vida possível de ser vivida em permanente estado de poesia é o objectivo dos autores citados. Com efeito, é João Guimarães Rosa que, ao ser interpelado pela sua linguagem, se refere a ela nestes termos: meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho da sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo prestar contas de cada palavra o tempo necessário para ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está sob montões de cinza. (Lorenz:340). E o escritor moçambicano Mia Couto reconhece que a poesia é a sua principal arma de reinvenção da linguagem (Índico:10)
O importante é a comunicação expressiva do ser humano com o seu semelhante; primeiro, há que descobrir em si novos territórios do sentir e do pensar e, em seguida, expressá-los, fazendo ressuscitar palavras, sugerindo outras ainda não incorporadas em esquemas gramaticais fechados, plenas de calor humano, incrivelmente expressivas, plásticas, em movimento contínuo. Há que Escreviver a Língua Portuguesa!
Notas:
Lorennz, Gunter W, Diálogo com a América Latina, S. Paulo, [S.n.], 1973
Mia Couto, um Poeta que Escreve em Prosa, Revista Índico, série II, nº 4, 1988