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Poesia portuguesa
Por Casimiro de Brito Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 27 de Setembro, 2023 299 palavras
Revista Oresteia, Nº 11, setembro de 2023. Anterior il neige - inventaire des absences (publicação bilingue: versão em português) Seguinte

A ESSÊNCIA DAS COISAS

O prazer é o primeiro dos bens. É a ausência de dor no corpo e de inquietação na alma.
EPICURO

Jamais alguém mergulhará
duas vezes no mesmo rio.

HERACLITO

 1

sentado no chão desta praia nua
ou no coração do mundo sentado?

2
degusto em pleno o momento que passa
o tempo ceifa tudo e nada esquece

 3

escutando a minha fragilidade
penso nela como sendo um caminho

4
oh sim sim eu acredito em milagres
o sol o mar as areias as árvores

5
eis que chegam as aves da manhã
e não é que pousam dentro de mim?

6
já que não posso transformar o mundo
sacudo a areia das tuas sandálias

7
saberá a concha que a desvio
do meu caminho? gentilmente o faço

8
não quero chegar a parte nenhuma
interrogar-me é chegada bastante

9
aprendi no Tao o que não se aprende
quem fala não sabe quem sabe cala

10
que luz é esta na frágil argila
de que são feitos os meus pobres ossos?

11
oh sementério! os mortos são flores
que rebentam por tudo quanto é chão

12
se tudo é pleno se tudo é vazio
não há fronteiras nem haver faz falta

 13

regressar a outro chão? não não quero
o meu corpo nu está cheio de asas

14
vida chamo a esta chama tão breve
que toda sem se fatigar me queima

 15

fecho os olhos e louvo as dez mil coisas
que tudo no seu seio elas contêm
16
no mar profundo desse tanto excesso
colho a minha discreta gota de água

17
pouco ou nada me ensinaram os sábios
mas este sol vivo é mestre bastante

18
fosse eu uma concha à beira do mar
e por muito mais tempo cantaria

19
quando estive no Monte Fuji
perdi-me nos caminhos de Bashô

20
pudesse eu ensinar-te pelo silêncio
bem mais sábio do que dez mil palavras


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