neva – inventário de ausências
por vezes é agradável
por vezes referimos esse facto é agradável para aquela que lá está
insiste-se lembra-te
um céu muito escuro ou talvez neve
parece que sou eu eu murmura ela
o meu medo aos saltos face a esta constelação de covas
uma sílaba, mas depois faltavam outras
o meu medo – vigília ensurdecedora – eu despertei-te
presa agarrada às tuas costas
mas não como habitualmente a noite
mais vazia do que ontem sem mácula até ao seu fundo branco
memória pensamos murro
e sombra refletida na cabeça
ontem disseste qualquer coisa
neva – é tão complicada
a frase
ou o espaço fechado
talvez tenhas pronunciado incêndio
não recordo mais o que se seguiu
é estranho eu não creio ter dito salva-me
salva-me mesmo que verdadeiramente não existam mais estrelas
nós como outrora as nossas vozes noturnas
dedos ou ruídos apoiados na coberta da cama
de lado – para quem
aquela que está lá hesita procura
os primeiros sulcos das carícias
deixa subentender suspeição
dir-se-ia um qualquer caminhante
e a minha fantasia
interrompida por um pequeno muro ou não
eu eu e toda a gente
a minha frase quebrada as suas delicadas falanges por todo o lado
muitas
aquilo que dela subsiste
aquela que está lá e a outra – talvez tu também – e eu eu
círculo por cima de círculo
sólido caos
não há já superfície nem profundidade
e as nossas silhuetas sucumbem sem brilho
nada a assinalar
estarei eu mais uma vez sem saída
criança perdida falha espaço vazio num arquivo
hoje
aquela que lá está não responde
o portão escancarado
eu eu e o coração bate descompassado
de mais nada tira proveito
do deserto nas costas o odor o ar a alma
o que quer que seja de arriscado debaixo dos olhos e dentro
tu podes dizer noite dia
separar domingo e crepúsculo
cada segundo sonhador atravessa o pensamento poroso
sem ferrolho salva-me deriva
desprende-se – tronco
aquela que está lá eu eu cada vez menos
de autenticas guerras regressam
passado e presente batem no peito e fazem chorar
tu tentas o impossível tu apontas o dedo
tu algures e toda a gente
reciprocamente
tudo isso grita num ecrã
negro circulo de uma boca que tudo engole
por vezes é uma máscara
por vezes aquela que vai e vem extraviada articula máscara
ausente como pretender de outro modo
peito e cidade vazia – antes e depois – a minha cabeça
trespassada
nada mais trespassa
por detrás dos estores pensas um pouco mais ao longe
fechada em ti – um pouco da morte derradeira
é a noite céu e lâmina onde
uma abjeta surpresa magoa
eu eu sem nenhum outro pormenor sofro
ou falsamente num sono exemplar
Tradução a partir do francês de Victor Oliveira Mateus