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Um texto inédito 
Por Maria José Quintela Publicado em Literatura, Outros, Portugal a 1 de Março, 2021 230 palavras
Três poemas do livro "Altos Cumes" Anterior Recensão de um livro de Bibiana Collado Seguinte

seis horas e uma claridade incipiente chispa sombras pendulares nas minhas pálpebras. os olhos resistem ao repto e retardam o encandeamento, sugerindo uma realidade de interpretação pessoal. o que está fora é uma tosca aproximação ao que está dentro.


enquanto a luz se vai fazendo adulta, a memória desdobra o que foi em tudo o que podia ter sido. uma construção exposta e recôndita, feita de enlaces e falhas de luz. uma dor de crescimento no diálogo íntimo entre o corpo e a ausência. a solidão na senda do seu enigma.


neste limbo propenso ao tédio sinto a presença de Proust. a energia criadora de infortúnio, temor e dissimulação. o espelho e o movimento. o corpo em desequilíbrio. as horas e o lume. a espera sem leme. o tempo esteta da paciência que finta a morte. um traço de melancolia que não separa a poeira dos laivos de luz. o corpo cativo da própria inércia e de um movimento de deformação redentor. fluir para confluir.


tudo se mexe na imaginação que reinventa o vivido. uma nebulosa de coágulos existenciais cujos ecos trocam inconfidências. o enredo e o desfecho.


seis horas e não vislumbro inocência no ofício de acertar o relógio pela eternidade.

Janeiro de 2021


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