seis horas e uma claridade incipiente chispa sombras pendulares nas minhas pálpebras. os olhos resistem ao repto e retardam o encandeamento, sugerindo uma realidade de interpretação pessoal. o que está fora é uma tosca aproximação ao que está dentro.
enquanto a luz se vai fazendo adulta, a memória desdobra o que foi em tudo o que podia ter sido. uma construção exposta e recôndita, feita de enlaces e falhas de luz. uma dor de crescimento no diálogo íntimo entre o corpo e a ausência. a solidão na senda do seu enigma.
neste limbo propenso ao tédio sinto a presença de Proust. a energia criadora de infortúnio, temor e dissimulação. o espelho e o movimento. o corpo em desequilíbrio. as horas e o lume. a espera sem leme. o tempo esteta da paciência que finta a morte. um traço de melancolia que não separa a poeira dos laivos de luz. o corpo cativo da própria inércia e de um movimento de deformação redentor. fluir para confluir.
tudo se mexe na imaginação que reinventa o vivido. uma nebulosa de coágulos existenciais cujos ecos trocam inconfidências. o enredo e o desfecho.
seis horas e não vislumbro inocência no ofício de acertar o relógio pela eternidade.
Janeiro de 2021