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Figurações da Subjetividade na Filmografia de André Téchiné  (Parte 7)
Por Victor Oliveira Mateus Publicado em Artes, Cinema, Portugal a 2 de Abril, 2025 2158 palavras
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L’ ADIEU À LA NUIT (2018)

Catherine Deneuve (Muriel)
Kacey Motttet Klein (Alex)
Oulaya Amamra (Lila)
Stéphane Bak (Bilal)
Kamel Labroudi (Fouad)
Jacques Nolot (Senhorio de Lila)
Moahamed Djouhri (Youssef, sócio de Muriel)

Muriel é uma mulher experiente que vivera na Argélia e que dirige agora, juntamente com Youssef, seu sócio, um Centro Equestre, ladeado por um frondoso cerejal. Muriel fica feliz quando recebe a visita de Alex, o seu neto, que, pensa ela, vem passar uns dias antes de rumar ao Canadá, para onde irá trabalhar juntamente com a sua jovem amiga Lila. Contudo, passado pouco tempo, Alex começa a mostrar-se impaciente e ansioso, pois afinal ele prepara, às escondidas, uma partida secreta para a Síria, onde, com Lila e Bilal, o seu jovem imã, irá juntar-se a combatentes radicalizados e viverem de acordo com a sua fé. No entanto, o plano de Alex, Lila e Bilal para poder ser concretizado precisa ainda de uma considerável soma de dinheiro, pelo que Alex retira, de uma gaveta do Centro Equestre, um livro de cheques que lhe possibilitará resolver o problema.
Longe de mostrar o mecanismo de doutrinamento para se seguir a djihad como o fizera Philippe Faucon em “La Désintégration” (2011), este filme sonda o abismo e a rutura entre gerações, cujas aspirações são bem diferentes: a avó cuja realização conduziu a uma empresa familiar e um neto que procura a pureza moral e espiritual que o leva a rejeitar em bloco as suas origens. Convém não esquecer que a ação decorre em 2015, no período entre a matança do Charlie Hebdo e o ataque do Bataclan. É um filme que pode também ser visto como um tratado das paixões, metendo em cena a deceção/ a tristeza político-social que se vai apoderando de nós e a alegria moral e coletiva, muitas vezes alvo fácil das escolhas equivocadas e das armadilhas que ardilosamente nos esperam, é também um olhar debruçado sobre a rutura de gerações, onde um jovem fascinado pela djihad se opõe à sua avó, obra inspirada em “Les français jhiadistes” de David Thomson (Les Arènes, 2014). Aborda-se aqui a questão da radicalização religiosa levada a cabo por jovens não necessariamente desfavorecidos, por vezes mesmo bem integrados, e a sua vontade feroz que empurra algum deles a partirem para a guerra na Síria, tornando-os assim alvos fáceis para ficarem à mercê de interesses vários. Há, contudo, neste filme um aspeto pouco assinalado: a relação da procura de Alex de um islamismo radical com a perda da mãe num trágico acidente de automóvel, para ele pouco claro e que adensa a culpabilidade de um pai que ele se recusa a ver; esta relação da perda abrupta de um solo materno com a procura voraz, e algo ingénua, de uma espiritualidade redentora dota este filme de um halo assumidamente psicanalítico.

Muriel e Youssef atravessam um vasto cerejal, enquanto se lamentam da devastação que os javalis andam por ali levando a cabo (relativamente ao plano do simbólico, convém estar atento ao facto deste cerejal no início atacado por javalis, no final do filme estar já dando frutos). Neste ensaio, e nestes filmes, convém sempre estar atento a: símbolos, analogias, processos de metaforização, etc., que muitas vezes eu tenho o cuidado de colocar em itálico.
Muriel: Mas o que podemos nós fazer, a caça é só em setembro?
Subitamente abate-se sobre eles uma enorme escuridão.
Youssef (para Muriel): Não olhes para o eclipse, isso queima os olhos!

Muriel e Lila preparam o quarto onde Alex irá ficar. Lila vai dizendo que tem falado com ele pela internet, ao que Muriel responde que quando era jovem precisava da presença, ao que Lila responde que Alex está presente mesmo que não esteja lá.
Muriel: Eu sei que isso não me diz respeito, mas sabes que ele vai para o Canadá?
Lila: É um trabalho como em Toulouse.
Muriel: E porquê tão longe?
Lila: Necessidade de viajar, é normal.
Muriel: E tu também vais?
Lila: Não sei.

Alex, durante a viagem de comboio, vai sempre falando, por computador, com Bilal, o seu imã. Por fim chega à quinta. Avó e neto abraçam-se.

Muriel atravessa a quinta na direção do alojamento de Alex, traz um prato de fruta na mão, mas chegando perto chama-o sem obter resposta. Ouve um rumor do outro lado da folhagem. Espreita: Alex, de joelhos sobre um tapete, procede às suas orações. Muriel espera, até que Alex se aproxime com o tapete enrolado debaixo do braço.
Alex: Tu viste-me?
Muriel: Sim.
Alex: E então?
Muriel: Ponho-te uma questão…
Alex: Qual questão?
Muriel: Não sabia…
Alex: Não sabias o quê?
Muriel: Que eras crente.
Alex: Agora já sabes.
Muriel: Desde quando te converteste?
Alex: Seis meses. Com um imã aqui da região. Eu comecei a pensar na vida após a morte e ele ensinou-me a ver uma segunda vida.
Muriel: Uma segunda vida?
Alex: Sim, é a vida após a morte.
Muriel: Eu nunca tive fé.

Alex vai à sepultura da mãe e remove tudo o que sobre ela havia: flores, ícones, etc. Mete todas essas coisas num saco que depois atira de um penhasco abaixo.

Durante uma refeição num restaurante.
Muriel: Não sabia que eras assim tão religioso.
Alex: Creio que finalmente temos uma chance de construir a família que queremos.
Muriel (para Lila): E tu, vais à Mesquita?
Lila: Não.
Muriel: Ah! Porquê?
Alex: Eh! Não se pode falar de oura coisa?
Muriel: Não! Falar de outra coisa… Eu nasci no meio de muçulmanos e praticantes. Interrogo-me. É normal, não?
Muriel (para Lila): Por que é que não vais à Mesquita? E tu, Alex, vais à Mesquita?
Alex: Não,
Lila: Eu prefiro pela Internet.
Muriel: Pela internet?
Lila: Para estudar.
Muriel: A religião?
Lila: Sim, que vivemos numa sociedade que está podre.
Muriel: Podre. Como?
Lila: Podre por causa do materialismo. Já não há ideal. Vejo isso no local onde trabalho.
Muriel (irónica): As coisas que se aprendem esta tarde!

Antes de se deitar, Muriel vai ao quarto de Alex e diz-lhe, que, se ele quiser pode ficar ali com Lila, que isso para ela é normal, ao que o neto responde que para ele não o é. Alex aproveita o momento para perguntar pelo retrato da mãe, Muriel tira-o de uma gaveta e entrega-lho. Alex coloca o retrato da mãe em cima da mesa onde trabalha, virado para ele.
Por sua vez, Lila dirige-se à casa onde reside.
Lila: Boa noite.
Senhorio: Vai um jogo de poer?
Lila: Não.
Senhorio: Pensei que precisava de dinheiro.
Lila: Sim, mas não posso correr o risco de o perder. Boa noite!
Senhorio: Lila! Lila, por favor, chegue aqui. Sente-se Preciso de lhe falar. Estou só e com esta idade, preciso de companhia, é por isso que a albergo. Bem, mas a companhia não a tenho.
Lila: Eu trabalho, caro senhor.
Senhorio: Mas quando está cá, fecha-se no seu quarto de volta do computador. Há já semanas que não passa nenhum tempo comigo. É humilhante fazer este pedido.
Lila: Lamento. Creio que é melhor procurar outra pessoa.

Alex e Bilal, o seu imã, falam, pelo computador sobre carros e dinheiro, conspiram sobre o modo de o arranjar. É então que Alex vai ao escritório do Centro Equestre, abre a gaveta de uma das secretárias e leva o livro de cheques, depois vai num jipe encontrar-se com Lila, que tenta chamá-lo à razão, dizendo-lhe que ao roubar a avó ele está cometendo um duplo pecado, contudo, os dois acabam por preencher cheques no valor dos cem mil euros que lhes faltava para poderem partir para a Síria. No Banco dizem à empregada que querem levantar os cheques, porque vão casar, mas a empregada diz-lhes não ser possível um levantamento assim automático. Alex e Lila saem frustrados da Agência bancária e Alex volta a pôr o livro de cheques na gaveta de onde o tirara.

Alex de telemóvel em punho, tira uma foto da fotografia da mãe, que está no seu quarto, sobre a mesa de trabalho.
Jantando com a avó, tenta saber pormenores do acidente que vitimara a mãe.
Muriel: Já te disse cem vezes, foi um clássico acidente. O teu pai não é responsável, em nada, pelo que se passou.
Alex: Ah, tu sempre a procurares reconciliar tudo.
Já na cozinha.
Muriel: Queres sobremesa?
Alex: Sim. Por que nunca falas de ti?
Muriel: De que é que queres que eu fale?
Alex: Não sei. Da Argélia, por exemplo, nunca falas…
Muriel: Porque era pequenina quando parti.
Já no seu quarto, Alex escreve uma carta de despedida à avó:
Amo-te avó, não fui capaz de te demonstrar, mas amo-te muito, e tudo o que fizeste por mim, jamais esquecerei. Vi a luz e digo adeus à noite. Peço-te perdão pelo dinheiro.”

Alex, Bilal, Lila e outros jovens muçulmanos reúnem-se para definir as estratégias para chegar à Síria.

Uma amiga de Muriel, acabada de chegar à quinta vinda do Banco, avista-a e chama-a.
Amiga: Muriel! Muriel! Preciso de falar contigo. Estive agora no Banco e os teus cheques foram cassados. Cem mil euros!
Após esta notícia, Muriel dirige-se ao escritório do Centro Equestre e confirma que lhe roubaram alguns cheques. Vai de imediato ao quarto de Alex, vasculha tudo e encontra a carta de despedida do neto para ela, encontra igualmente um bilhete de viagem para Istambul via Barcelona. Após tudo isto, Muriel decide encontrar-se com um homem que esteve envolvido numa experiência semelhante àquela por que o neto está a passar. O veredito do dito ex-radicalizado é perentório: é necessário impedir que Alex parta, pois se partir jamais regressará. Com esta evidência em mente, Muriel leva o neto a passear pela quinta, quando este entra num enorme barracão, Muriel apanha uma distração dele e corre para o exterior, fechando à chave a porta gradeada, deixando assim Alex preso e aos berros, no interior do barracão. Lila, vendo que Alex não aparece, e não sabendo onde ele está, vai procura-lo à quinta, mas Muriel mente-lhe, dizendo-lhe que não sabe nada dele, já que o expulsou, após ter descoberto o roubo dos cheques.
Muriel: E tu não tens nada a dizer?
Lila: Não.
Muriel: Estás segura?
Lila corre a encontrar-se com Bilal: estão desorientados, não sabem o que está a acontecer.

Muriel volta a encontrar-se com o mesmo ex-radicalizado, este, por sua vez, quer tentar ajudá-la. Vão ambos ao barracão para tentar persuadir Alex a não partir, mas dentro do barracão, Alex dá com uma pá no homem e desata fugir, ante os apelos da avó. Alex acaba casando com Lila, via computador: os oficiantes do lado de lá, o casal e Bilal do lado de cá.

Às principais personagens não restam muitas opções: Alex, Bilal e Lila, estão numa paragem de camioneta para iniciarem a sua fuga.
Bilal: Vocês têm medo?
Alex: Não.
Lila: Um pouco
Bilal, aproveita o momento, para uma sessão de doutrinamento visando a dessensibilização do medo. Se aos três apenas restava uma opção: a ida para a Síria; a Muriel eles também só tinham deixado uma opção. Assim, ao atravessarem a fronteira, a camioneta é barrada por uma força policial, que entra nela e algema Bilal, Lila e, por fim Alex, que tenta resistir, mas é também levado, aos gritos, pelos polícias.

Muriel está agora num gabinete: um sujeito de fato e gravata faz-lhe o ponto da situação; mostra-lhe as fotos de Bilal e Lila, dizendo-lhe que esta última fazia doutrinação pela internet. O tal sujeito pergunta a Muriel se ela os conhece, a resposta que é dada não é percetível.

Muriel, apática, é internada num hospital. Youssef, o sócio, vai visitá-la.
Youssef: Vamos dar um passeio!
Ele leva-a à quinta, atravessam o cerejal onde os trabalhadores estão já colhendo as cerejas, uma amiga abraça-a, o ex-militante islâmico, agora trabalhando ali, aproxima-se e mostra-lhe o tornozelo já sem a pulseira eletrónica a que estivera sujeito, agradece-lhe, pois é, finalmente, um homem livre.
O homem: E o seu neto? Como se passou?
Muriel: Ele não quer ouvir falar de mim.
O homem: É normal. Não se deixe abater. Escreva-lhe.
Youssef: Ela não tem energia para escrever. Você não vê como ela está?
Muriel: Vou fazer isso. Você tem razão, vou escrever-lhe.


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