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Figurações da Subjetividade na Filmografia de André Téchiné (Parte  8)
Por Victor Oliveira Mateus Publicado em Artes, Cinema, Portugal a 2 de Abril, 2025 3534 palavras
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LES GENS D’ À CÔTÉ (2024)

Isabelle Huppert (Lucie)
Hafsia Herzi (Julia)
Nahuek Pérez Biscayart (Yann)
Stéphane Riedeau (O Comissário)
Moustapha Mbengue (Serge Mayumbe)

O filme inicia-se com uma pequena manifestação de polícias protestando contra as suas condições de trabalho. Eles têm a cara coberta por uma máscara branca e proferem slogans rimados – exemplos:

Policiers sacrifiés
Citoyens en danger!

Citoyen lève toi
la police a besoin de toi!

Police endeuillée,
population en danger!
etc.

Por fim, os polícias tiram a máscara e cantam a Marselhesa.

Lucie é recebida por um superior hierárquico: está em discussão a hipótese de uma reforma antecipada, após o seu internamento psiquiátrico ocorrido na sequência do suicídio do marido, também ele polícia.
Comissário: Não estou seguro que seja uma boa ideia reconduzi-la na sua atividade. Você está sempre na primeira linha a criticar as pressões da hierarquia, a falta de meios. Quer prolongar o serviço?
Lucie: Não quero parar. Gosto do meu trabalho. Estou de boa saúde.
Comissário: Eu quero resolver isto, mas a sua saúde preocupa-nos a todos.
Lucie: Faz quase oito meses que saí do Hospital. Entreguei os relatórios médicos. Os controlos correram bem.
Comissário: Você merece repousar depois de todas as provações.
Lucie: Eu não quero parar. Quero continuar a trabalhar.
Comissário: Lamento o que aconteceu com o seu cônjuge. Todos nós lamentamos. Mas depois da sua desaparição, você desgostou-se da polícia.
Lucie: Fiquei encolerizada, é verdade. Você não devia ter-lhe confiscado a arma. Essa decisão provocou o seu suicídio. Ele estava ansioso, você acentuou-lhe a pressão
Comissário: Está bem, Lucie. Se você quer permanecer ao serviço, não posso opor-me.

Interpolação de momentos em que Lucie narra episódios passados ou comenta, para si mesma, momentos do presente:
“Faz já um ano que Slimane pôs fim aos seus dias. O seu irmão quis que eu fosse viver para sua casa, com a sua família, mas prefiro ficar aqui. Tive muita sorte: Slimane repousa neste cemitério aqui perto. É fácil para ele juntar-se a mim durante anoite”.

Ao sair do cemitério, Lucie encontra uma menina perdida.
Lucie (pegando-lhe na mão): Mostra-me onde moras e eu levo-te. Vens? Que idade tens?
Rose: Oito anos.
Lucie: E tu foges muitas vezes como agora? Sozinha?
Rose (apontando): É ali que moro.
Lucie: Somos vizinhas, então.
Lucie toca à campainha.
Julia: Não é possível! Foste onde? Disse-te para nunca mais saíres sozinha! Vá, entra! Por que é que não ouves o que eu te digo? Estou a falar contigo! Porquê?

Julia toca à campainha do portão de Lucie.
Lucie: Bom dia!
Julia: Incomodo-a?
Lucie: Não, absolutamente nada!
Julia (entregando-lhe um amo de flores amarelas): Quero agradecer-lhe por ontem à tarde.
Lucie: Ah, que gentil! Obrigado. Quer um café? Entre.
Julia; Comprei-as no supermercado.

Lucie, de novo, interpolando as suas conversas consigo própria: “os médicos disseram-me para fazer desporto, para fazer marcha, correr. Eles temem que eu tenha uma recaída, mas eu sinto-me bem nesta minha vida tranquila”.

É de noite e Slimane entra em casa. Senta-se ao piano e começa a tocar. Lucie entra na sala, agarra-o por detrás. Beijam-se. Riem-se. Agarram-se um ao outro.

De manhã, Lucie sai de casa para o trabalho. Ouve música rap vinda do jardim dos novos vizinhos. Espreita pela folhagem divisória: Yann e um amigo estilo punk pintam um enorme cartaz, que diz: “Eis um povo que se mantém tranquilo”, está também, pintada, uma figura com a palavra “Polícia”. Lucie sai do seu jardim para a rua, espreita para dentro do carro que está estacionado à porta dos vizinhos, este está cheio de sprays e latas de tinta. Lucie fotografa a matrícula do carro e depois, na internet, procura informações sobre o dono do carro: é do amigo de Yann, que tem já cadastro policial

Yann (falando de uma sua exposição a que Lucie foi): Sim, é bom. Enfim, a galeria fica com 50%.
Lucie: Ah… porque é que você não foi?
Yann: Não gosto desses cocktails, dessa clientela. Eu tenho necessidade daquilo para ganhar a vida, mas faço imensos esforços.
Lucie: Gostei das suas impressões de África.
Yann: Isso acabou, as viagens. Vai ser duro para a inspiração, mas não posso mais viajar.
Lucie: Porquê?
Yann: Você é indiscreta. Não tenho autorização para sair do Departamento
Lucie: Isso é chato!
Yann: É como diz. É chato. E você? Qual é o seu trabalho? A Julia não me soube dizer.
Lucie: Euh, funcionária.
Yann: De quê?
Lucie: Conselheira… Técnica do Serviço Social. Não é tão glorioso como artista.
Yann: Artista?! Eu sei bem o que me espera. Vou desenhando o que tenho ante os olhos: o céu, a folhagem, você. Posso fazer o seu retrato?
Lucie: Você não me conhece. Eu não sou uma pessoa interessante.
Yann: Toda a gente é interessante.
Lucie: Não! Mas eu já fumava um cigarro.
Yann (estende-lhe o seu cigarro): Pegue!

O cunhado de Lucie – irmão se Slimane – visita-a. Vão de carro, procurando um sítio onde comer.
Lucie: Estás de trombas?
Serge: Eu queria ver-te.
Lucie: É assim tão grave?
Serge: Tu conheces um certo Yann Durieux?
Lucie: Sim, é o meu novo vizinho. Acabou de se mudar com a família.
Serge: O que sabes acerca dele?
Lucie: Que não sai muito… Espera, Serge: é a R.G. que me investiga ou é o meu cunhado que quer comer um bocado?
Serge: As duas coisas.
Lucie: E então?
Serge: Viram-te a acompanhar a filha dele à patinagem. E que mais ainda? Ele está sob detenção não pode sair do Departamento, com apresentações duas vezes por semana.
Lucie: Para, Serge! Eu dou-me com quem quero. Ele não é um pestífero.
Serge: É um anti-polícia! Em modo ACAB.
Lucie: Mas o que é que tu queres?
Serge: Apenas que te acauteles. Ele sabe que tu és polícia?
Lucie: Claro que não!
Serge: Brincas com o fogo, Lucie. Como podes tu interessar-te por um tipo daqueles?
Lucie: É meu vizinho.
Serge: “É meu vizinho”, esquece o teu vizinho. Esquece-o, é tudo!
Lucie (mostrando-lhe o catálogo da exposição de Yann):: Estaciona ali! Isto interessa a qualquer um. Ele é um artista!
Serge: Mas isso muda o quê? Aqui há uma questão deontológica: Ou tu te distancias ou prevines o teu superior hierárquico e vais mantendo-o ao corrente. Tal como estás, estás super bem colocada para nos ajudar,
Lucie; “Super bem colocada para vos ajudar?!”
Serge: O que é que decides?
Lucie (abrindo a porta do carro e saindo em plena via rápida): Já não tenho fome.
Serge (saindo também do carro e chamando-a, aos gritos): Não faças isso. Lucie! Lucie!

Lucie almoça com o sobrinho em sua casa. Ele louva-lhe o cozinhado.
Lucie: Eu, na tua idade, queria ser cozinheira. E tu? O que queres ser?
Sobrinho: De profissão? Para já, não quero ser polícia, isso é certo! Mas não sei…
Lucie: Como vai o teu pai?
Sobrinho: Bah… escuta… ele lamenta-se, diz que gostava de te ver mais vezes e diz que temos um lar, mas que tu recusas fazer parte dele.
Lucie: Vemo-nos todos os domingos.
Sobrinho (mostrando-lhe uma foto): Vemo-nos, mas nós os dois. Espera… Olha! Este é o Slimane e o outro é o papá. Um pouco antes de desembarcarem em França.
Lucie (com a foto na mão): Posso ficar com ela?
Sobrinho: Claro! Aliás. Ele quer fazer uma espécie de homenagem.
Lucie: Ele que faça o que quiser. Slimane não estava feliz na sua equipa.
Sobrinho: Lá em casa ele não fala do irmão.

Lucie num dos seus habituais entretextos:
“Não queria falar-lhe. Imaginava-o vestido de negro, mascarado e destrutor, como nas imagens violentas da televisão”.

Lucie comendo, sentada num sofá frente à televisão, que vai transmitindo distúrbios violentos com manifestantes vestidos de negro, lutando com a polícia. Tocam ao portão. Lucie desliga o televisaor. É Yann.
Lucie: Viva”
Yann: Incomodo?
Lucie: De modo algum. O portão está aberto. Entra. Queres comer alguma coisa?
Yann: Comes a esta hora?
Lucie: Sim, como os suecos, e deito-me cedo como as galinhas. E tu? Ao menos tens comido?
Yann: Sim, vou indo. Tenho ovos, patés, conservas. Estas fotos são de onde?
Lucie: Senegal, Mali, Burkina, Congo.
Yann: Quem é este?
Lucie: É Slimane, o meu companheiro.
Yann: Ele parece mais jovem do que tu.
Lucie (enquanto o vai servindo): Era, enfim, um pouco. Senta-te.
Yann (comendo sofregamente): Mmh… Está delicioso.
Lucie: É arroz de galinha.
Yann: Por que é que não atendes o telemóvel? Sabes, podemos abandonar a ideia de eu fazer o teu retrato. Não temos de nos frequentar forçosamente. Tu moras aqui, eu ao lado, está bem. Não vivemos no mesmo mundo.
Lucie: Não vivemos no mesmo mundo, é verdade, mas talvez possamos fazer um esforço, para que isso aconteça.
Yann: Que esforço?
Lucie: Não sei. Vou dar-te um exemplo.
Lucie levanta-se, vai ao bengaleiro, mexe numa das suas algibeiras e traz uma carteira que lança para cima da mesa, para perto de Yann: é o seu distintivo de polícia. Yann pega no cartão, olha para Lucie incrédulo e de olhos esbugalhados.
Lucie: Quis dizer-te desde o princípio.
Yann (levanta-se da mesa e sai): Aqui falta-me o ar. Adeus!
Lucie: Yann!

Lucie chega ao local onde Julia marcara encontro com ela.
Julia; Estás melhor?
Lucie: Por que é que preferiste encontrar-te aqui?
Julia: Jamais terias encontrado a casa de Odette. Aquilo são só estradas secundárias.
Lucie: Estou completamente desolada.
Julia: Desolada. Porquê?
Lucie: É falta minha, devia ter-vos contado antes. É falta minha.
Julia: Que falta? Estou-me nas tintas para que sejas da polícia. Não tens de te justificar. Isso não muda nada. Queres um chá?
Lucie: Não, obrigado.
Julia: Aqui é muito bom,
Lucie: Não, obrigado.
Julia: preferes álcool?
Lucie: Não, tenho de conduzir. Este lugar é bom.
Julia: É banal, mas com esta decoração de Natal fica bem.
Lucie: Gosto muito de ti Julia, e da Rose também. Não vos quero perder.
Julia: Mas nós também gostamos muito de ti. Não nos vais perder. Que ideias são essas? Não é o Yann que faz a lei em casa. Eu respeito o seu engajamento, mas não o partilho. Tive sempre receio quando ele ia às manifestações a Toulouse, a Montpellier, entrava em pânico. Esforcei-me para compreender, mas agora já não o faço. Foi pelo seu idealismo que o amei, é por ele também que o vou deixar. Vem passar o fim de semana connosco a casa da Odette. Far-te-ia bem.
Lucie: Não posso, estou de serviço. Obrigado.
Julia: Obrigado porquê?
Lucie:Não sei. Por nada.
Riem. Abraçam-se. Despedem-se

Num dos dias, quando Lucie chega do trabalho, Yann esta acocorado ao seu portão. Está completamente desorientado e pedrado. O tal amigo com quem ele pintava os cartazes fora preso, mas a mãe deste limpara o sítio onde viviam e depositou todo o material comprometedor em casa de Yann, que decidiu aceitar, porque Massoud, o tal amigo, fez chantagem com ele, ameaçando matar-se. Yann quer desembaraçar-se de todo aquele material e precisa do carro de Lucie, para o transportar, contudo, Yann está completamente pedrado e não pode conduzir, e é Lucie que acaba por o ajudar. Vão os dois depositar, num aterro, todo o material que poderia vir a cair nas mãos da polícia.

Depois de se desembaraçarem do material comprometedor, Lucie e Yann sentam-se à mesa de um snack
Lucie, como é seu hábito, foge para dentro de si, aprecia e valora sem dizer uma palavra:
Yann já tinha esquecido a sua estupidez, já não fala disso, como se nada tivesse acontecido”.

Yann: Não comes?
Lucie: Não.
Yann: Não é suficientemente bom para ti? É verdade que o teu arroz com frango frito… não o esquecerei tão depressa.
Lucie: Queres ficar sozinho durante as festividades natalícias?
Yann: Estou-me nas tintas para as festividades. Mas sinto a falta da Julia, verdadeiramente. E da Rose, claro. Vou ter com elas a casa da Odette. Vamos quando?
Lucie: É melhor que vos deixe em família.
Yann: Não digas disparates. Tu fazes parte da família. Mesmo que te pergunte como fizeste para ser polícia?
Lucie conta-lhe como entrou para a polícia, assim como todo o seu percurso profissional e o seu encontro com Slimane.

Lucie regressando do seu habitual jogging, vê a polícia pronta para arrombar a porte de Yann. Ela entra na sua casa, mas através da janela vê a polícia a revistar a casa de Yann e a levá-lo algemado. Lucie corre a contar o sucedido a Julia.
Julia: Isto não me surpreende. Ele nunca respeitou a interdição de se manifestar. Se eles o prenderam é porque têm provas contra ele, não?
Lucie: Com as câmaras de vigilância, consegue-se segui-los durante a manifestação. A polícia reconhece-os graças aos seus detalhes: a marca dos sapatos, os cordões dos capuchos. Há agentes especializados para isso. Eles esquadrinham os vídeos durante dias.
Julia: Não quero que Rose perceba quando se fala do pai. Vamos antes dar uma volta. Não estou certa de querer continuar esta vida com Yann. Estou farta. É muito sofrimento.
Lucie: Enfim, Julia és idiota, tu ama-lo.
Julia: Não é uma razão. Eu renunciei à agregação, porque precisávamos de dinheiro. Não quero passar a minha vida a renunciar, a perder-me num homem. Recuso esse destino. Mudámos de época, é isso.

De novo, outro monólogo interior de Lucie:
“gostei de ouvir Julia ao telefone e acalmei-a. Ela esperava em casa de Odette o regresso de Yann. O advogado parecia otimista. Que irá Yann dizer aos meus colegas? Irá ele falar de mim? Não tenho medo. Slimane ensinou-me a desdobrar-me para aceitar a realidade, quando ela era demasiado dura”.

É noite. Slimane regressa e senta-se de novo ao piano. Toca. Fuma. Lucie traz-lhe um cinzeiro.
Slimane: Não temos falado muito nestes tempos.
Lucie: Nâo me apetece que falemos.
Slimane: Queres que eu parta?
Lucie: Não, fica. Gosto quando tocas.
Slimane volta-se para o piano e toca. Lucie está triste: olhar vago, perdido.

Batem à porta de Lucie. É o cunhado. Começam por uma conversa de circunstância, que, aos poucos, se aproxima do tema principal.
Cunhado (olhando, através da janela, para a casa do lado): É ali que mora o teu amigo?
Lucie: Sim. Liguei-me a ele, à sua mulher e à sua filha. Tenho a impressão de os conhecer desde sempre. Tu não acreditas que há um fio invisível que nos liga todos uns aos outros, os vivos e os mortos? Era o que Slimane dizia.
Cunhado: Não, não acredito nessas coisas, são parvoíces. Tu sabes o que aconteceu ao teu amigo?
Lucie: Foste tu que fizeste o acompanhamento de Yann?
Cunhado: Fomos vários.
Lucie: Podes dizer-me mais?
Cunhado: O estado de vigilância vai ser prolongado.
Lucie: Vocês identificaram-no?
Cunhado: Sim. Ele participou na manifestação, apesar da interdição. Não to devia dizer, mas estamos seguros disso.
Lucie desmaia. O cunhado pega nela e leva-a para sua casa, uma vez aí o cunhado, a cunhada e o sobrinho tentam que ela ali se mantenha, mas ela insiste em ir-se embora, para sua casa.
Serge: Lucie, o que é que estás a fazer?
Lucie: Escuta, Serge, juro-te que estou bem. É simpático da tua parte, mas eu posso estar em minha casa, sozinha.
Serge: Estou preocupado contigo. Tentei ajudar-te, mas não podemos forçar as pessoas, faz o que quiseres, Lucie.
Cunhada: Toma um duche. Vou preparar-te um café.

Ainda no jardim da residência dos cunhados, Lucie entrega-se a um dos seus habituais monólogos interiores:
“Tinha todo o meu discernimento. Não queria que me tomassem por louca. Era responsável pelos meus atos, mesmo se, por vezes, não os compreendia”.

Já na esquadra:
Comissário: Entre.
Lucie: queria falar comigo?
Comissário: Você sabe porquê?
Lucie: Não.
Comissário: Apresento-lhe o Capitão Quillard do IGPN. Sente-se. Bem, Lucie, gostaria de compreender, porque o Sr. Yann Durieux a cita no seu processo verbal.
Lucie: Que disse ele?
Comissário: Ele disse ter roubado o seu carro, para se desfazer das armas incendiárias do seu amigo Régis Bertin.
Lucie: Não estou ao corrente.
Comissário: Vamos metê-la ao corrente. Régis Bertin, apelidado Massoud, é um delinquente bem conhecido dos nossos serviços, interrogaram a mãe dele e ela pretende conhecê-la, ela disse ter colocado o material no pavilhão de Yann.
Lucie: Mas eu não sei de nada.
Comissário: Não encontrámos nada. Nem garrafas de gasolina, nem morteiros, nada, pouf! Voou tudo! Repito, Yann serviu-se da sua viatura para realizar a sua operação, segundo ele disse.
Lucie: Mas qual operação?
Comissário: Procurar e encontrar um carro para se desembaraçar do seu material. O contentor do canto era-lhe suficiente. Roubaram-lhe o carro e você não deu por nada.
Capitão: Yann Durieux não tem perfil de ladrão de automóveis, scannear o código eletrónico e roubar, isso não se improvisa, é um trabalho profissional.
Comissário: Chega. Paremos. Você sabe bem que é um alibi para a proteger.
Lucie: Yann deve ter-vos dado uma explicação.
Comissário: Sim, claro, e eu quero saber a sua versão. Vamos abrir um inquérito e você será interrogada na sala ao lado, se você persistir na sua mentira, você perderá tudo, e você sabe disso.
Lucie: Fizemos isso os dois. Eu estava com ele.
Comissário (para o capitão): Quero ficar com ela cinco minutos; (para Lucie): Eu sabia que a sua prorrogação era um erro, mas isto é mesmo loucura.
Lucie: Eu só quis ajudar o meu amigo.
Comissário: Protege-lo da polícia? Você obstaculizou a instrução de um processo.
Lucie: Pensei que as armas eram uma ameaça.
Comissário: Uma ameaça para quem? Para o seu amigo ou para as forças da ordem? Você defende os inimigos da polícia? É o mundo de pernas para o ar. Você é cúmplice de Yann Durieux dissimulando as provas da sua culpabilidade, entravando a procura da verdade. Você sabe a que se arrisca?
Lucie: Eu conheço a lei.
Comissário: Eu acompanho-a.

Lucie é algemada e presa numa pequena cela. Slimane aparece através das paredes.
Lucie (para Slimane): Abraça-me com força, Slimane.

Lucie fazendo o seu jogging, numa praia, ao longo da linha de água. Enquanto corre leva a cabo um dos seus monólogis interiores:
“Chamo-me Lucie Muller. Sou celibatária e sem filhos. Faz um ano que moro aqui. Slimane nunca mais me veio visitar, talvez ele não goste deste lugar, talvez seja um bom sinal para mim, não sei, estou sob controlo judicial, enquanto espero o meu processo, tenho de respeitar a medida de afastamento relativamente aos meus vizinhos, fui despedida sem indemnização, não serei presa”.

Uma nova esplanada de outro restaurante. Uma família acabou de comer, sai e agradece ao sobrinho de Lucie, que vai levantando a mesa. Outra família surge.
Julia: Bom dia.
Yann_Não reservámos.
O sobrinho de Lucie: A esta hora o serviço já está encerrado.
Yann: Morremos de fome.
O sobrinho de Lucie: Vou perguntar lá dentro.
Julia: Obrigado. É gentil.
Na cozinha, Lucie está entregue às suas tarefas e o sobrinho informa-a da situação.
O sobrinho de Lucie: Há novos clientes.
Lucie: Ah, sim? Só há o prato do dia.
Lucie espreita pela janela e vê os seus antigos vizinhos.
Sobrinho: Digo-lhes o quê?
Lucie: Que sim.
Sobrinho (já na esplanada, para os novos clientes): Há frango frito com arroz.
Julia: Ah, que bom!
Yann: Sim.
Lucie afasta-se da janela; retira-se para o interior da cozinha.
Rose: Posso ir brincar para a praia?
Julia: Não! Come.
Rose: Não tenho fome.
Yann: É normal, encheste-te de chocolates.
Julia: Bem, vai, mas não te afastes demasiado.

Lucie enceta um dos seus habituais monólogos interiores:
Gostava de os ter abraçado, não o fiz, mas o meu coração começou a bater muito forte. Não posso vê-los nem falar-lhes antes do julgamento”.

Lucie volta a aproximar-se da janela da cozinha: ao fundo, Rose brinca na areia, atira pedras para a água. Lucie sorri. Rose, ao erguer-se de rompante vê Lucie, na janela, lá ao longe, acena-lhe, diz-lhe adeus.


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