dos prazeres asiáticos
Adoro as pernas das chinesas. Fico deslumbrado quando olho as pernas delas, alvas, sem um grama de gordura, uma veia saliente. A carne quase incorpórea, impercetível. Corpos para contemplar, como ténues esculturas animadas. Novas, velhas, de meia idade, sempre delgadas, vaporosas. Vou rua fora atrás delas e fotografo-as. Pego no telemóvel disfarçadamente como se estivesse a ler uma mensagem, desligo o som e clique. Revejo aquelas imagens vezes sem conta. Não que sinta desejo sexual por elas, não, normalmente nem lhes vejo o resto do corpo ou a cara. Só as pernas. Por vezes as saias muito curtas deixam entrever a curva de uma nádega, a sombra de uma cueca e sinto um prazer irreprimível. Pressinto-lhes o sexo, mas não me ocorre nenhuma imagem visual, é como uma daquelas fotos em que a cara aparece borrada para não permitir a identificação. Como um lugar vazio. Arrebatam-me os folhos, as transparências, as rendas que usam. Nem sei bem explicar este ímpeto, é como ouvir música. Um prazer estético.
Já me aconteceu seguir uma rapariga até ao trabalho dela por causa das pernas, hipnotizado pelo som firme das sandálias de salto alto no passeio. Mas foi só isso. Esbarro propositalmente com mulheres no elevador, na rua, apenas para trocar umas palavras, sentir-lhes o cheiro, provocar-lhes uma reação. Olho-as nos olhos, digo umas quantas frases de circunstância. Breves conversas insípidas. Também coleciono panfletos, pequenos anúncios com imagens de jovens prostitutas que encontro espalhados pelo chão da cidade. Seios opulentos, pele branca, olhos um pouco vítreos, um pouco provocadores. Faço arquivos no computador com centenas de fotos de mulheres reais ou outras que vejo por acaso na rede em poses provocantes ou distraídas em que entrevejo um decote, um seio, um olhar mais sensual. Estáticas no papel, nos arquivos digitais. Como se nada de degradasse, como se nunca fossem envelhecer.
Não resisto a meter conversa com empregadas de restaurante, massagistas, empregadas domésticas, caixas de supermercado. Filipinas, indonésias, tailandesas, desejo-lhes os olhares cobiçosos que me lançam na esperança de que as resgate da sua miséria. Flirto um pouco. Quero a imagem que fazem de mim. Com elas sou poderoso, vivo num mundo perfeito, abundante. Acumulo contactos de redes sociais e mantenho conversas a distância com estas mulheres com quem me cruzei por acaso e com quem vou mantendo relações mais ou menos ambíguas. Oiço-lhes a histórias e as confissões, tomo partido nos seus conflitos, dou-lhes conselhos. Vou variando o auditório e conto as mesmas histórias de sempre, digo as mesmas piadas. Também envio diariamente mensagens por telemóvel às
mulheres que conheço ou conheci e com quem por algum motivo interagi, estejam próximas ou distantes. Breves aforismos delicados, imagens de belas paisagens, pinturas, poemas, canções românticas, alguns vídeos melífluos. Deixo a sugestão de romance vaguear lentamente por essas interações, alimento a ambiguidade.
Sonho com elas. Por exemplo, caminhamos junto ao mar de braço dado. Ouvimos o suave bater das ondas contra a costa, arrastamos os pés na areia molhada, contemplamos o horizonte, vemos o pôr do sol colorindo o céu em tons de rosa, laranja e púrpura. Como nos postais. Jantamos à luz das velas, lemos poesia. As sombras alongam-se, lançando um véu de mistério sobre nós. Ou então sentados num sofá ouvimos música em silêncio, embevecidos, a perfeita fusão. Damos as mãos e passeamos despreocupadamente por entre cerejeiras em flor numa primavera eterna. Seguimos o suave farfalhar das folhas numa floresta verdejante. Escutamos o chamamento distante dos pássaros e sentimos o aroma fresco e terroso do solo húmido numa sinfonia sensorial que nos envolve em paz e serenidade. Falo-lhes de aves, plantas, flores e ouvem-me deleitadas quando lhes mostro que sou um conhecedor da natureza. Apreciamos juntos o reflexo do céu na superfície imóvel de um lago, a dança da luz do sol na água ondulante e as cores cintilantes de um arco-íris que se estende através de uma cascata. Em manhãs em que o mundo está envolto numa suave névoa, vislumbro sequências de rostos de mulheres sorridentes que me fixam como que resgatadas ao tempo. Ensaio realidades que são os meus sonhos.
Às vezes penso que estou a combater a morte. Acho que a minha mulher não compreende. Mas eu não me importo. Tenho as pernas das chinesas. Clique.