Cidade atemporal
é lá que existes
no nocturno vazio
um homem
está de pé
tem nas asas na língua
uma chama inviolada
uma cauda que varre
as sementes a febre
devagar sobe o orvalho
o suor corre à tona
algas azuis nos cílios
e um vestido de penas
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são violinos ocultos sob a relva?
são violinos ocultos?
e sob a lua tecem o seu manto de cio?
e sob a lua tecem o seu canto de linho?
aberto canto agudo desafio
grilos que brotam em êxtase?
casto abismo da noite?
planície branca
pesada de gemidos?
espessa madrugada te pressinto
*-*-*
Cidade
onde cada rosto dura apenas o momento
de o olharmos
Cidade
onde
os cegos estão colados às esquinas
Cidade
onde o vento e o mar são palavras sem raízes
e o musgo verde a paz que não se arquiva
Cidade
acordeão da noite sem aurora nunca
Cidade
onde os coxos se apressam na miragem
Cidade
do sorriso de pedra revestido
da prata grátis do luar
Mais nada
*-*-*
Madalena Férin nasceu a 22 de julho de 1929 em Vila Franca do Campo. Foi, ainda criança, para Santa Maria, ilha onde viveu até 1958. Licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa e foi Técnica Superior do Instituto de Meteorologia nessa cidade.
Publicou o primeiro livro de Poemas em 1957 e remeteu-se, durante quase duas décadas ao silêncio, voltando à poesia em 1984 com o livro Meia-noite no mar, a que se seguiram outros livros. A sua poesia encontra-se representada na Antologia da Poesia Açoriana do século XVIII a 1975, de Pedro da Silveira, e na Antologia Poética dos Açores, de Ruy Galvão de Carvalho.
Dedicou-se também à ficção, tendo publicado quatro títulos, bem como à tradução de contos para a infância. Colaborou com as revistas Ocidente e Revista de Portugal entre 1981 e 1993.
Faleceu em Lisboa a 3 de setembro de 2010.
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