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Poesia atual do Quebec: Exercices de joie (1, Première partie): versão portuguesa, página 1.
Por Louise Dupré Publicado em Canadá, Poesia a 2 de Outubro, 2024 299 palavras
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Louise Dupré

            Exercícios de alegria (1ª Parte)

  Éditions du Noroit e Éditions Boucey (2022)

Os sonhos afogados
no fundo dos teus olhos

acabam por regressar à superfície
no sal das lágrimas

pequenos cadáveres
branqueados
pelos anos

que te despertam
à noite

quando pretendes dormir
profundamente

é demasiado tarde
para arrependimentos

demasiado tarde
para recuperar o tempo
perdido

as mulheres que habitaram
o teu nome

tu as abandonaste
uma após outra

com os seus vestidos
fora de moda

e eis-te agora
nua
frente ao espelho

eis-te aqui rosto
vazio, navio
fantasma

cidade sem pátria

e escutas
tranquila
a música do mundo

deixando irromper
as imagens
que já não te magoam

procuras agora
exercer
a ternura

como uma disciplina
de combate

uma bondade para te moldares
a ti mesma

tu, a mendiga
de minúsculas alegrias
arrancadas ao desespero

dizes alegrias
porque não sabes
como nomear

os instantes em que o teu coração
para de bater
dentro do teu peito

esses momentos de graça

em que uma carapaça te protege
dos gritos
que vais escutando

estão perto
estão por todo o lado
e todos os dias

esta angústia
impossível de aliviar

isso ensurdece-te
isso liquida-te
sem que desapareças

e tornas-te então numa morta-viva

forçada a peregrinar
no meio de um inferno
de transeuntes

mas sobreviver
não te satisfaz

tu preferes limpar
a fuligem
dos teus dedos

escrever pouco
escrever pobre

mas escrever
o que poderia irromper

no silêncio
da quietude

como se t’agarrasses
a uma boia

o tempo de recuperar
o fôlego

para vislumbrares a ondulação
finalmente calma

de te perguntares
o que poderá surgir
em ti

quando já não se tem
nem ambição nem orgulho

mas apenas um cenário
de cartão
com paredes esburacadas

que deixam ver
uma paisagem em ruínas

o que é que sobra
quando nada sobrar

salvo uma pequena claridade
que te convida a que a sigas
através da escuridão

e tu segue-la
como um caminho
à flor da pele

esperando
uma hospitalidade

apesar do teu corpo
esboroável

tu ainda consegues
respirar


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