por vezes tu desejarias
a amnésia
mas escolhes
o sofrimento
em vez de renunciar
à agitação
do mundo
o poema ressuscita
das palavras
assassinadas
e planta cravos
no infortúnio
para o tornar
suportável
o poema é uma oração
secreta
uma noite que pretende
fazer ouvir
as óperas do passado
tu cantas desafinada
ora mal ora numa lástima
mas cantas
porque de nada te serve
choramingar
mesmo que este tempo se esteja
afundando no mar
como um paquete
esventrado
havia orquestras
capazes de acompanhar
o seu naufrágio
havia desesperos
que mantinham coragem
até ao fim
tu não pretendes morrer
antes da morte
e contas
pelos dedos
os anos que te restam
procurando
de que resistência
te podes reclamar
senão da vida
que pretendes fruir
até ao fim
e regressas
ao verbo querer
tu repete-lo
como se ele se pudesse apresentar
suficientemente benévolo
para apaziguar os teus choros
e sem esperares
o mínimo auxílio
ergues o olhar
para a esperança de um amanhecer
e acolhe-la
na palma da mão
Tradução de Victor Oliveira Mateus
Nota: As expressões em itálico referem-se ao poema “Balade des pendus” de François Villon.