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Poesia portuguesa
By Nuno Dempster Posted in Literatura, Poesia, Portugal on 22 de Março, 2024 365 words
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CABRAS

Minhas queridas cabras que não tive,
não obstante haja tido muitas coisas
que não eram cabras e que,
em vez de balir, me algemavam
aos gritos ficas preso
enquanto quiseres cabras,
e exclamavam: tendência antinatura,
mistura de campónio e ser urbano
da cidade do Norte,
a delida palavra pátria
que dizes ser a tua,
a palavra ridícula,
pátria, é como gritar versos na rua,
e, não bastasse, afirmas
falo há muito sozinho
e sozinho falei tanto que apenas
queria algumas cabras.
Que me algemem, eu cá não grito.
Quero é que fique escrito: pátria,
minhas queridas cabras que não tive.

*-*

DA PALAVRA FALOCRATA

Depois de cozinhar um triste arroz de peixe
e de lavar a louça,
verei como se pôs o mundo,
se está mais curto,
se roubaram mais peras da pereira,
se as uvas moscatel
não chamaram as vespas,
se a porta das galinhas está bem fechada,
não aconteça os cães vadios
cometerem de novo um genocídio.
Isto é o que compete
a um velho solitário,
pior que uma mulher casada com um bruto,
falocrata, palavra rara
que as feministas usam, indignadas.
Hei-de perguntar ao Silva,
a ele, que é sem dúvida falocrata,
o que diz de um homem lavar a louça,
limpar o chão com a esfregona,
passajar meias,
pregar botões
e fazer um doce aos domingos.
Que me dirá o Silva?
Que esse homem é mulher?
Que jurou não casar?

*-*

FALA DE ARISTARCO

O sol entra, filtrado nas cortinas,
e o gato dorme, tranquilo.
Felizmente, é um ser sem tempo,
ignora a velhice e a morte,
e eu conheço uma delas e sei da outra,
mas não como nasceu o mundo,
e, nele, a vida, a célula primeira
de onde viemos, eu, o gato e todos,
e tudo que há no mundo e vive.
Os sábios desesperam,
e, a cada idade, mudam
o relato do Génesis,
e bastava que Aristarco tivesse dito:
«Porque desesperais, ó sábios,
se tendes um destino apenas?
Chegai à Via Láctea, sim.
Alguns de vós vereis altas estradas
e flores imortais de luz,
mas antes ensinai a forma
de mudar em searas as
estepes violadas pela morte».

2023, Nuno Dempster


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