Impura sagração da primavera.
A flor azul desperta em altas horas.
Na fina madrugada, que conspira,
a noite sangra no punhal da aurora.
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Um gato no jardim, olhos azuis,
à noite, nesta praia, sem idade.
Janelas blasonadas para o caos.
A lua não desmente a claridade.
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Negra nuvem, aurora à meia-luz.
Céu imaturo. Alvor indefinido.
Antigas pedras, rijas, bem subidas,
apuram a gramática da luz.
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Sou vítima da noite, negro século.
Já não suporto o sol do meio-dia.
Perdi na escuridão os velhos óculos.
Lavo meu rosto na noite dos dias.
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Marco Lucchesi, nascido em 1963, no Rio de Janeiro, possui vasta bibliografia, da qual se destacam livros de ensaio, como Nove Cartas para a Divina Comédia (2021), poesia, como Domínios da insônia: novos poemas reunidos (2019), além de memórias, diários e ficção. Recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Como tradutor, verteu para o português autores como Giambattista Vico, Georg Trakl, Hölderlin, Ion Babu, Angelus Silesius, Mohammed Igbäl e Juan de la Cruz. Seus livros já foram traduzidos para mais de 15 línguas. Presidiu a Academia Brasileira de Letras (ABL) de 2018 a 2021. É professor titular de Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro e atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), desde 2023. Site oficial: Poeta | Marco Lucchesi | Site Oficial