menu Menu
Poesia espanhola atual
Por Rafael Soler Publicado em Espanha, Literatura, Poesia a 24 de Março, 2024 927 palavras
Poesia brasileira atual Anterior Poesia portuguesa Seguinte

ESTRUCTURA DEL MAR

¿Y quién dijo que allí
tumbado el horizonte por un piélago de nubes
el mar era otra cosa?
¿quién dijo que apenas una línea,
una quimera de salitre y aguardiente?

Atado por tiempo que son rocas,
cubierta su piel de húmedas estelas
el mar se aprisiona de recuerdos,
huye escandaloso por quicios diminutos
y brota
renacido
en la quilla azul de un navegante
y en la voz airada del poeta
que busca en las velas su consuelo;
y allí
con un tráfico de sal inspiración y desafío
el mar regresa a sus orígenes
se vuelve escollera
barlovento
tramontana
sacude su espuma solitaria y
– y sombra de abismo cauteloso –
convoca la marea
atusa el oleaje
se pierde con mimo de novicia
entre las barcas.

¿Quién dijo que el agua prevalece
que voces submarinas se quiebran
a su paso?
El mar es una esfinge
un tálamo de rosas
que aguarda paciente su destino
(un niño pregunta por su nombre,
un faro parpadea y viste su pupila de gaviotas,
el aire se renueva
el viento crece
la mar pasa de largo como siempre).

¿Quién dijo que nunca golpea la memoria
que alegre resucita si lo llamas?
El mar es un pacto con los dioses,
un tiempo encaramado
pertinaz
que asola sin remedio mi laguna.

*-*-*

ESTRUTURA DO MAR

E quem disse que além
derrubado o horizonte por um pélago de nuvens
o mar era outra coisa?
Quem disse que é apenas uma linha,
uma quimera de salitre e aguardente?

Atado pelo tempo que são rochas,
coberta a pele de húmidas estrelas
o mar aprisiona-se com lembranças,
foge escandaloso por frestas ínfimas
e brota
renascido
na quilha azul de um navegante
e na voz arejada do poeta
que busca nas velas o alento;
e além
com um tráfego de sal inspiração e desafio
o mar regressa às origens
torna-se quebra-mar
barlavento
tramontana
sacode a espuma solitária
e faz sombra ao abismo cauteloso –
convoca a maré
faz crescer as ondas
perde-se com afago de noviça
entre as barcas.

Quem disse que a água domina
que vozes submarinas se calam
à sua passagem?
O mar é uma esfinge
um tálamo de rosas
que aguarda paciente o seu destino
(uma criança pergunta o seu nome,
um farol pisca e veste a sua pupila de gaivotas
o ar renova-se
o vento cresce
o mar passa ao largo como sempre).

Quem disse que nunca bate na memória
que alegre ressuscita se o chamas?
O mar é um pacto com os deuses,
um tempo empoleirado
pertinaz
que assola sem trégua a minha lagoa.

*-*-*

TITÁN CON PIES DE BAILARINA

Usted amanece recostado
en un diván antiguo
y observa primero la persiana
comprueba si el reloj tiene su siete
bosteza como un ganso
escucha en otra parte una bocina

y se levanta

usted tiene por delante
un aseo bucal
diez gramos de café
el postre de una ducha
y hambre suficiente para empuñar el día

a usted le asustan los atascos
y en un vagón de metro se recoge
con el silencio al cuello
atento a su interior que habla
se inquieta usted si le preguntan
qué fue del hijo que no tuvo
quien puso de rodillas su salario
por qué habla siempre de Nepal
como si fuera un bar

usted desconfía del alcohol acéptelo
y bebe por cuaresma un vino extraño
sin preguntar por el año de cosecha
ni conocer el suyo

usted tiene un bastón
una camisa triunfal para las bodas
un gato llamado Barrabás
y terco en su memoria
el chal que Manuela a pierna suelta deslizaba

paciente en su abandono
usted dice conocer
la oblicua dirección de su futuro

y cuando vuelve a casa
en el diván se acuna
indiferente a la música de Bach
los ojos tristes de Picasso

y al despertar Manuela.

*-*-*

TITÃ COM PÉS DE BAILARINA

Você amanhece recostado
num divã antigo
e olha primeiro para a persiana
repara se o relógio tem o sete
boceja como um ganso
ouve do outro lado uma buzina

e levanta-se

você tem pela frente
a higiene oral
dez gramas de café
a sobremesa de um duche
e fome suficiente para atacar o dia
a si assustam-no os engarrafamentos
e mete-se numa carruagem de metro
com o silêncio ao colo
atento ao seu íntimo que fala

inquieta-se se lhe perguntam
que foi do filho que não teve
quem pôs de joelhos o seu salário
porque fala sempre do Nepal
como se fosse um bar?

você desconfia do álcool acético
e bebe por penitência um vinho desconhecido
sem perguntar pelo ano da colheita
nem conhecer o seu

você tem um bastão
uma camisa triunfal para os casamentos
um gato chamado Barrabás
e na sua memória obstinada

o xaile com que a Manuela deslizava à perna solta

paciente no seu abandono
você diz que conhece
a oblíqua direcção do seu futuro

e quando volta a casa
aninha-se no divã
indiferente à música de Bach
com os olhos tristes de Picasso

quando acorda a Manuela.

*-*

Traduções de Leocádia Regalo

Nota – a foto da publicação é da autoria de Lucía Comba

*-*

Rafael Soler (Valência, 1947) é poeta, reconhecido e premiado narrador, pro-fessor universitário e vice-presidente da Associação Colegial de Escritores de Espanha (ACE) desde Maio de 2015. Publicou seis romances e os livros de poesia Los sitios interiores (1980, menção honrosa do prémio Juan Ramón Riménez), Maneras de volver (2009), Las cartas que debía (2011), Ácido al-míbar (2014, prémio da Crítica Literária Valenciana), No eres na-die hasta que te disparan (2016) e Las razones del hombre delgado (2021), assim como as antologias La vida en un puño (2011), Leer después de que-mar (2018) e Demasiado cristal para esta piedra (2023). A sua obra completa está recolhida em Vivir es un asunto personal (2018). Tem livros traduzidos e publicados em francês, inglês, italiano, japonês, húngaro e romeno.

*


Anterior Seguinte

keyboard_arrow_up