Em 50 Imagens, segundo livro de José Manuel Morão, este poeta apresenta-nos cinquenta momentos do quotidiano apreendidos em instantes significativos, que, apesar de presentificados, remetem, muitas vezes, para as outras dimensões da temporalidade: passado e futuro. O real é, então, surpreendido pelo olhar do poeta, que após a apreensão feita pelos sentidos, logo eterniza essa fugacidade através da escrita, dando lugar a um resultado dual, onde cada estrutura poemática remete invariavelmente para a fotografia. Daí o título desta obra!
O real que transpassa nesta poesia não é o bulício das grandes cidades, onde a alienação e a inautenticidade se firmam como norma; o real de José Manuel Morão é qualquer elemento da paisagem – urbano ou rural – que traga com ele uma certa densidade afetiva e um mote de reflexão, como, no exemplo que se segue, a efemeridade:
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“Umbrais”
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A casa atraía-nos. Já sem telhado,
Restaram os umbrais de granito das portas
e janelas.
Na loja, ficaram os tanques para a fermentação
do vinho. Eram da cor da terra, as paredes
com aquele barro
que unia as pedras.
Hoje o seu dono não é mais que
o barro da sua esmerada casa,
ao do cemitério tão semelhantes.
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(p 28)
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Há nestas imagens certos laivos de epifanias, já que nelas não só se ofertam dadas experiências estéticas, mas porque todas nos remetem para a sacralidade do nosso estar-aqui, nem sempre imediatamente visível – ver, por exemplo, poemas: “Com exatidão”, “Somos servos inúteis”, “Anos de trezentos”.
Deteta-se também, nesta poesia, correndo a par com a acuidade e o cuidado do ver, uma certa melancolia e, até mesmo, certos momentos de desalento, aspetos que a colocam num continuum onde poderemos encontrar poetas como Irene Lisboa, José Agostinho Baptista, Ricardo Gil Soeiro, Isabel Mendes Ferreira, contudo, estas 50 Imagens jamais caem num pessimismo absoluto a la Schopenhauer ou na tese de Cioran de que o fracasso é uma condição essencial do ser humano, aqui, na poesia deste poeta, poderemos sempre encontrar a pequenina luz do valer a pena:
… … …
(…) É noite. Lá dentro, ardem as lucernas
de azeite.
Passo detrás da pequena abside.
Poucos sabiam destes recônditos do reino.
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(p 29)
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A poesia de José Manuel Morão insere-se numa linha francamente minoritária da poesia portuguesa contemporânea, onde constam alguns dos nomes que acima referi, mas a especificidade dessa inserção, longe de ser um infortúnio, é antes um fator benfazejo, já que a multidão raramente é proveitosa.
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