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A Luz Breve das Rosas de Teresa Alvarez ( Recensão)
By Filipa Vera Jardim Posted in Literatura on 1 de Junho, 2025 1541 words
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A Luz Breve das Rosas de Teresa Alvarez

Num único fôlego, se bem que repartido por três etapas, a autora traça-nos um percurso de vida que pode também ser lido como um testamento vital, percorrido por uma imagética pictórica, na maior parte das vezes, assumindo mesmo contornos de uma imagética fílmica, onde os sentidos – essa dimensão humana que nos limita – é simultaneamente aquela que nos permite festejar, ir ao encontro do outro e ter como companhia a luz breve das rosas.
A primeira parte deste livro, o início do círculo denominada ” Das Intermitências do Amor”, traz-nos o lugar, a terra enquanto espaço habitado, a natureza, as flores e também a dimensão da memória que se vai fazendo presente. Tudo atravessado por laivos de felicidade e pela luz, sempre breve, das rosas. O futuro e, muitas vezes o próprio presente, aparecem -nos assim, envolto num sombreado, uma “hipótese de luz” (p.20) manto de desalento e desesperança.
Esta luz breve das rosas, corresponde assim a um colapsar do mundo e da natureza, “o mundo acabou ali mesmo à sua frente” ( p. 11) , “O mundo é uma massa informe e o que resta da imensidão do céu” ( p.12) , em contraposição com a festa a que se assistiu no passado e que agora, não passa de uma simples memória:
“e o fim dos dias de festa/como quando éramos reis ou rainhas/e a vida era até aos portões do nosso paraíso” (p.14)
A luz das rosas é pois além de breve, uma luz suave, que ora nos aparece no acaso do sol, ora nos surge das sombras, ora ainda como uma “hipótese de luz” (p.20) a iluminar o “apocalipse” e o “medo”.
Uma luz que apenas se entende como ” murmúrio das rosas” e que nunca emerge na sua plenitude.
Nem o passado, lugar da casa, da família, espaço para um tímido erotismo, logo superado pela consciência da dor é de luz plena, nem o presente, feito de ausência e espaço vazio, ” um pássaro sem destino/ bate insistentemente na vidraça/ e por momentos meu amor/ julguei que pudesses ser tu”(p.17), nem o futuro palco de desesperança tristeza e solidão. A luz plena não é alcançável nesta viagem poética de Teresa Alvarez que é simultaneamente um percurso pessoal e, a imagem de todos os percursos, uma vez que esta é uma poesia do eu e simultaneamente do outro.
Nem a infância escapa a este desalento. Mais suavizado, é certo, mas até ela, a criança ” encostada a uma pedra triste a criança adormece”(p.12) faz parte deste destino maior.
A infância, a casa, a presença dos entes queridos já desaparecidos com predominância da mãe e da avó são o verdadeiro preâmbulo desta viagem poética de Teresa Alvarez que se irão adensando paginas adentro, que é como quem diz, vida fora.
O eu lírico carrega com ele os seus, bem como a si próprio, e às suas memórias.
Há um clã que perpassa por estas páginas e está bem patente sobretudo na primeira
e na última parte do livro.
O amor surge acompanhado de um tímido erotismo associado à fruição da vida, logo superados pela consciência de uma dor vivencial maior do que ele. É um amor vivido , um amor do passado, que se revive através da memória, dos passos que existiam e agora estão ausentes, do outro e do eu que nos surgem em encontros e desencontros, de memória.

Sendo predominante o verso livre a autora permite-se, no entanto, a uma liberdade que não fica presa aos cânones e brinda-nos diversas vezes com processos rimáticos e de musicalidade muito interessantes, bem como jogos de palavras :
“sobre a nossa cama deixo -te o meu corpo/ guia as tuas mãos e adormece nele/ como se eu estivesse como se eu quisesse e como se eu dissesse” (p.18)
A personificação vai ponteando o discurso poético. ” o murmúrio das rosas” ( p.15), a “tela pensativa” (pag22) ou o ” chora baixinho a árvore” (p.47) à medida que o caminho flui.
É sempre um caminho de solidão, de ausência, de desencontro mesmo. Mas é simultaneamente um caminho de esperança. Mesmo quando ela é ténue ou, quando o abismo espreita:
” visto-me de luz/ retiro as amarras e desprendo as velas/ e vou-me a cantar de costas para o vento”(p.25)
A dimensão do trabalho não é descurada. Ela existe, faz parte da vida e também deste caminho poético. Um trabalho árduo e quase sempre no feminino.
Aqui, a condição da mulher aparece sem filtros:
” as mulheres despem o trabalho forçado/ na massa amassada no peso pesado do pão de cada dia/ já não fingem alegria/ e o embuste ficou impresso na toalha das lágrimas” (p.25)
Há por isso, nesta proposta poética de Teresa Alvarez uma dimensão vivencial que também desafia o destino. Esse desafio é feito quer através do trabalho, quer da dimensão religiosa.
” escusas de voltar/ mudei de direcção/ agora sou pertença dos deuses/ como com eles à mesa durmo na mesma cama / e aprendi a manobrar o destino dos homens/ por isso tem cuidado com os passos que dás. (p.28)
A vontade de influenciar o destino é simultaneamente a vontade de ser livre, de escapar ao abismo. Isso é muito visível nos elementos naturais e, sobretudo nos pássaros. Os pássaros representam uma dimensão de esperança, de futuro e de liberdade:
” emigro com as aves voarei com elas talvez rumo ao norte/ ou talvez ao sul/ ou até à fonte mais pura de todas as fontes”(p.18)
As aves não estão presas à casa, ao chão, aos caminhos, aos destinos.
Através do ” fulgor dos pássaros” (p. 38) é possível sair da terra, do útero, da casa mãe que é simultaneamente lugar de encontro, de reencontro, de memória, mas também lugar de ausência, de solidão, de desesperança e de finitude.
Na segunda parte deste livro chamada “Das Incidências do Olhar” tem-se a nítida sensação de que o tempo desacelerou. Ficaram para trás muitas das esperanças e das dúvidas que são agora substituídas por um olhar menos condicionado pelos passos e mais aberto ao silêncio, à importância da noite, aos sonhos e às recordações. ” o rasto de luz que atravessa agora mesmo/ o quase azul” ( p.78) fá-lo de uma forma mais lenta. Há agora um fluir onde o tempo, passado e presente se fundem.
Talvez porque ” uma vida não chega/ para alcançar a alma de um poema”. ( p.83)
O caracol , na sua lentidão mostra-nos que o caminho pode fluir também assim, sem pressas. Afinal é a morte que espreita. A finitude que nos aparece embrulhada numa prece.
“ a morte quer poetas ou loucos que andem pelas ruas a falar sozinhos/ como eu que ando sempre a rezar versos em vez de ladainhas/ e nesse instante do último murmúrio/ haverá um clarão tão intenso que fará arder verso por verso. “(p.84)
A luz continua pois o seu percurso umas vezes fulgurante e na maior parte das vezes como um crepúsculo de entardecer: ” e até o nosso entardecer não traz solenidade/ não inspira poetas e pintores/ é apenas um crepúsculo que por ser de toda a gente ninguém repara nele. (p.98)

É aqui, nesta segunda parte que a humanidade da poeta se confronta com a morte. Há ainda a terra, alguma esperança, mas a casa tornou-se lugar desabitado e ” a mãe já não vem”.
Já há ” pouco tempo para escapares à morte” (p.90) restam as sombras, a solidão, alguns pássaros, os deuses, os poetas, as memórias de infância, as palavras.
E são precisamente as palavras que nos vão abrir o caminho, da terceira parte deste livro: ” Das outras coisas” onde elas são as protagonistas.
Quando a viagem parecia completa, eis que nos aparece o poeta, a palavra, o processo de escrita, a folha em branco como a fechar o círculo ou a dar o passo derradeiro no desconhecido. ” as palavras andam a esvoaçar de um lado para o outro” (p.137), ” afinal é o poema que me leva/ mesmo sem eu saber/ é como um gemido de uma dor que passou há muito tempo/ lá fora o mais prodigioso céu tem garras de poeta”(p.143)
E o livro termina, entre esta espécie de eternidade que ora se desvenda ora se esconde com a certeza de que ” há um cais de embarque com o lenço a acenar” (p.172)
Muito obrigada Teresa Alvarez por esta viagem, que é também um percurso de vida,
por esta luz breve das rosas, simultaneamente esperança e reconhecimento das nossas limitações, da nossa finitude. Este é um livro de poesia maior, sem medo do sofrimento, do silêncio, da ausência, dos muitos abismos e nem sequer da morte.

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