1 –
Repouso no óbvio
Toalha sacudida aberta a voos
Curtos e rasantes a cortar o vento
Uma onda de espanto tão pequena
Quebra-se a meus pés sugada pela areia
Crianças buliçosas navegando à vista
Sob um olhar materno refreando as asas
Adiada viagem a reinos submersos
Onde habitam monstrinhos e sereias
Para com elas brincar entre corais
2 –
O mais leve prenúncio de dilúvio
Acode à asa avisada de uma ave
Em trânsito para onde ter os filhos
Peito aberto contra ventos e marés
De olhos feridos do açoite
Vence milhas e milhas sobre as águas
Rumo a ilhas de bruma e solidão
Nada lhe tolhe os membros indiferentes
ao atribulado curso da viagem
3 –
O fogo que grassa pelos livros
Eu pirómano de bosques imaginários
O ateio
Um fogo limpo que desperta
O aroma de resinas e de pinhas
Depois que os pássaros emigram
Deixando os ninhos devolutos
E os filhos emancipados
Noutras ilhas
Muitas novas primaveras hão de vir
Anunciar a ressurreição das folhas calcinadas
E da trama desnuda e ressequida
Das raízes
E eu
Pirómano de bosques imaginários
Terei páginas inteiras
De versos inflamáveis
Cláudio Lima
Gran Canária / 08.2023 / Inéditos