Isabel Ary dos Santos
Nasce em Lisboa a 9 de Março de 1940, de seu nome Maria Isabel Pereira Ary dos Santos, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, filha de Carlos Ary dos Santos e Maria Bárbara de Castro Pereira Ary dos Santos.
A infância despreocupada e feliz termina abruptamente com a morte súbita da mãe em 1950, a que se lhe segue segunda grande perda, a do pai, aos 17 anos. Entra por isso cedo no mercado de trabalho, depois dos estudos feitos na Escola Lusitânia.
Apesar de ter escrito desde cedo, publica pela primeira vez apenas em 1970, já casada e assinando com o nome de Isabel Ary dos Santos Jardim, pela Moraes editores, o livro Circulação da Palavra.
De 1973 é Poemas no tempo, igualmente pela Moraes Editores.
Em 1975, sai mais uma vez pela Moraes Editores, o livro Onde o Silêncio do Corpo. Aqui já assina o nome que irá figurar em todos os restantes livros, Isabel Ary dos Santos.
Segue-se Quotidiano Mulher pela Editora Afrontamento, Porto, em 1980 e ainda Escassas palavras pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, em 1987. Alguns dos seus poemas figuram em antologias:
20 anos da colecção Circulo de Poesia da Moraes editores, Lisboa 1977;
Poesia 70 – Selecção de Egito Gonçalves e Manuel Alberto Valente, Editorial Inova Limitada, Porto, Junho de 1971;
Poetesse Portoghesi Di Oggi Gli Abbracci Feriti, Giangiacomo Feltrinelli Editore, Milano, No-vembre 1980;
Em 1997, sofre um AVC que lhe tira a capacidade de escrever e nunca mais publica.
Morre a 9 de Dezembro de 2023 e deixa um livro inédito, escrito antes do AVC, que começa assim:
As vidas baseadas em ter são menos livres que as vidas baseadas em fazer ou em ser
William James
*-*
Verão I
Nas células da areia havia um lugar pendurado nos azulejos onde se esperava que as crianças voltassem e o silêncio fosse fundo nos olhos daqueles que traziam perguntas. Ao sétimo dia golpeei as mãos de onde o sangue se soltou verde a ressuscitar o tempo. É difícil saber exactamente a forma da fala mesmo que em palavras redondas me lances os peixes soltos. A morte é sempre ligada à vida e estabelece o ritual da violência e do sossego. Acredita que o rosto encobre outro rosto onde acontece sermos nós. Por isso nas células da areia havia um lugar pendurado para as tuas ancas que repeti a adormecer sem pressa.
In Escassas Palavras, Col. Plural, Poesia, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987.
*
Minha mãe
falo de ti como se
inventasse o branco
num grande sossego
de planície habitada
pelo sono.
Nada impede que lembre
a casa, o pão, a humidade
vegetal das árvores
a aspereza da relva, as estátuas
altura em que a minha vida
foi uma porta aberta para
estas coisas concretas, simples
tão fáceis como pedra, terra
sons, cores, água
Falo agora de ti
da maneira diferente que sei
aprendi com a memória
com o longo silêncio das
manhãs, com as cidades que conheci
e as ruas por onde andei
por isso digo de ti sombra
gesto,mão, sobretudo
o rosto das tuas mãos
onde descobri o segredo
que me aproxima do verão.
e digo mais:
mãe-água
em água me geraste
essa a origem certa
mas o líquido tempo acabou
de ti me despeço
intimidade – secreta
agora alimento-me de terra.
In Poemas no Tempo Circulo de poesia , Moraes Editores, 1973.