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Poesia portuguesa
Por Isabel Cristina Pires Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 30 de Novembro, 2023 265 palavras
Do Real Imaginário: Lugares, Pessoas, Etimologias... (Ensaio) Anterior Poesia portuguesa Seguinte

OS GOIVOS

O canteiro de goivos é a solução
para os problemas deste dia, ou
do país, ou de uma certa região do globo.
Vamos imaginar que o seu perfume
me bloqueia a dor de certas mortes.
Vamos presumir que a forma do canteiro
impede que o mundo se evapore,
e que estas flores-espiga cor de vinho
vedam novidades, capturam fendas
e apagam tudo o que me assusta. Este
canteiro de goivos transforma o tempo
numa parede defensiva e envolve-me
em metros e metros de filme transparente
como se eu fosse uma múmia; por isso,
um losango de sol poisa nos goivos,
ilumina-me bem e apaga o resto do jardim.
Digo isto com candura, não com o propósito
do espanto ou de atingir o centro das palavras.
Os goivos raspam de mim a humanidade
e dão-me o que me devem dar: este
momento.

***

OLHANDO O LUME

Preciso de palavras quietas, simples, retilíneas,
que não se contaminem entre si criando monstros.
Nada de aceitar os labirintos que existem lá por dentro.
Nada de passarem para outra dimensão, é tão fácil
que germinem pontes dentro delas, e garras
e gavinhas e redes e liames e cordas e anzóis
que atingem outras palavras, e tudo explode
sem que haja fronteiras para essa avidez com
que nasceram. Como se estivessem vivas.
Como se fossem partículas num grande
desespero de viagem. Por isso, matem-me
as metáforas por um dia, dêem-me Ícaros
mortos, esmigalhados na terra tão real,
reduzam as palavras à planície solar
onde nasceram. Sento-me à lareira,
o lume torce-se e crepita, dá-me a lista
de tudo o que é sereno e explica-me
então o zero das palavras

*****


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