menina e moça
Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras
e desde aí encontrei as ameaças que me destroem
a alegria matinal das aves e insectos
antes tivesse ficado na aldeia a ouvir um sino
mesmo sem a fé no deus rural
mas dançando com os sátiros debaixo das ramadas
de cabelo enfeitado com cerejas
foi pesaroso ser levada de casa do meu pai
quando a minha mãe morreu de cancro do útero
depois que ele secou as lágrimas em folhas de videira
à porta do hospital
então levaram-me para muito longe onde não conheço ninguém
cheia de medo de me perder nos corredores da faculdade
pois o princípio é sempre uma canseira
sobretudo para mim que não domino a filosofia
e sem dormir acordo nesta inquietação que trouxe
quando me levaram de casa de meu pai para longes terras.
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Dor
A gente aguenta sempre um pouco mais do que aquilo que pensa
a gente pensa sempre um pouco mais do que aquilo que aguenta
e um pouco mais do que aquela dor no dente a doer ainda mais
doem os pés a quem se descalçou nas madrugadas
suportando a dor de ter comido ameijoas estragadas
na tarde onde se mastigou a dor do dente e bebeu cerveja quente
sobre a neve que queimou os pés e tantas dores geladas
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Foto desta publicação: colagem, técnica mista, 2021 da autoria de António Ferra.