passio
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I
«para onde fores, irei; no gelo da queda costurarei a minha túnica e na asfixia do pouco lavrarei abundância; na pedra mais que profunda e na erva flutuante pisarei a tua sombra. estou pronto para ir contigo______________________»
( ‘ ah, tão perto e tão longe)
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mas não irás; pesa-te a casa oculta no uterino alicerce da negação. sabes por estes pés em carne viva sedentos de tocar o horizonte que nem todo o visível é alcançável, mas só esse instrumento te resta à aproximação, apenas o poema soldando o desunido na incessante experiência do impenetrável; sabes que palavra alguma jamais dirá o silêncio, mas estás certo da imprescindibilidade de podar o inefável para que brote a revelação.
‘
«eu________________________________»
não digas nada; se abrires a boca que sejas mesa, os teus lábios dois gomos de silêncio. e agasalha-te que a ausência é fria.
II.
«quando partes desse lado assim disposto e exposto no Silêncio desponta uma névoa vibrante de abandono, um glaciar de impotência, uma vereda inclinada à resignação; tudo é irrespirável e tu próprio te assombras com a dimensão de seres este silêncio altíssimo e insano.»
‘
tem paciência. infiltra-me a palavra para que jorre a sede e escorra o ar; fere-me para que haja voo. e amadurece; amadurece que eu quero colher-te.
III.
«apenas flores arredondando o desmoronamento.
vão e vêm cevando a espera________________________»
confessa: é-te propício esse porão – jardim remansado e seminal. nenhum silêncio é actuante se o não segas; não escutes à pedra o que só o impossível te pode revelar. não traduzas; bebe-me
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José Rui Rocha (1981) desenvolveu desde cedo estudos musicais, cumprindo o curso complementar e as disciplinas de piano e canto, licenciando-se em Educação Musical. É pós-graduado em Estudos Literários – Literatura Dramática – pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Diretor de diversos projetos artísticos: do cinema à música, passando pelo teatro, José Rui Rocha tem obra poética publicada em diversas antologias e revistas literárias. Foi distinguido no ano de 2019 com uma Menção Honrosa (por unanimidade) no I Prémio Internacional de Poesia Victor Oliveira Mateus com a obra: o livro breve da pedra errante. No final de 2022, também por unanimidade, venceu o Prémio de Poesia Soledade Summavielle.