I
É preciso estar no lugar certo. A hora
é de somenos importância. Existem circunstâncias em que
verdadeiramente importante
é não chegar a horas. Ainda assim,
não deves transparecer que o atraso se deve a qualquer tipo de desleixo.
Pelo contrário,
todos os minutos são preciosos
e devem obedecer ao mais rigoroso cálculo matemático.
Assim, aquando da tua entrada no salão dos funestos,
não ofuscarás os que, atravessados de luz, revelam propensão
genética e hereditária, para o brilho,
nem – factor essencial – interromperás a cerimónia. Importante
é saber habitar a sombra, domar a espera. Sorrir a quem se deve sorrir,
cumprimentar quem deve ser cumprimentado e
sobretudo
nunca cumprimentar
quem não deve ser cumprimentado.
Nada de conversas com quem não sabe estar calado.
Olha que neste baile do desprezo
existem regras de etiqueta.
Se a tudo isto somares uma espinha bífida
disposta a malabarismos
tens o futuro garantido a mendigar migalhas na mesa dos crescidos
com o teu babete de caça menor
e a boca suja. A boca sempre suja.
II
Mas não te preocupes, filho.
Andamos todos à míngua neste país de leprosos.
Caçadores furtivos de favores e moléstias,
palmilhamos a selva
à cata de patronos que nos salvem da escuridão.
A poesia que se foda
(que a vida não está para brincadeiras).
Olha que a eternidade é um prato de lesmas
servido em bandeja de estanho.
E ainda que a História não se grude a dedos peganhentos
as lesmas engordam.