Smoking Brown King Size com filtros
Lx 20.09.2019
– Com o Cunha chupei um paiva a ver o Toy Story 4, e o seu cerne inquietou-me pela primeira vez desde
que vivo com estes bonecos, só porque finalmente estranhei a bizarria do polímero falante.
– Fui acinzar um Marlboro na marquise e reencontrei areia velha nos sapatos, que imediatamente espalhei no chão para esculpir com os dedões.
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Lx 02.04.2020
– Esta música numa das playlists do bootleg boy (“Her” – eery) é uma nostalgia por qualquer coisa
Woody Allen. O manto de Nova Iorque preservado num museu de tempo. Pristinos, os cristais deste
Woody Allen depurado pela saudade. Torna-se num desenho, algo com o traço e as cores esbatidas de um Almada do período madrileno. Talvez porque este Almada me leva às visitas à Gulbenkian dos meus doze e treze anos, algumas delas ainda com a minha avó, esbatida há muito em cinzas e cristalinamente a
apontar-me os pormenores marotos desses desenhos.
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Lx 18.04.2020
– Enfaixado pelas ondas vermelhas dos espasmos do Munch, relembrado dos vermelhos fosforescentes
das litografias do Lautrec, e cheio destas enxurradas quentes e preciosas, vomito uma poupa de radiâncias que me espalma como um linguado.
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Lx 26.09.2020
– Chico, Afonso, Bruno. Cruz e blunt. O Bruno, ao vaguear pela casa, viciou-se na fantasia de que era
uma máquina num videojogo. No meu quarto, viu um Bukowski no fundo de uma pilha de livros e
elogiou-lhe a firmeza inquebrantável a segurar uma Babel.
– Peidei-me, achei que o rabo ia sair.
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Tomás Gorjão
Nasceu em Lisboa em 1997. Estuda História de Arte na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. É fundador, director e editor da revista Lote. Está aí publicado,
bem como na Gazeta de Poesia Inédita, n’A Bacana, na Brotéria, na Shifter, na
Prometheus, na Punkto e no folhetim da Medula. Escreve poesia e já escreveu textos
sobre canábis, José de Guimarães, Wayne Thiebaud e Bruno Nogueira. Traduziu Maria
Brás Ferreira e André Osório.