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Poesia Portuguesa
Por Maria do Rosário Pedreira Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 19 de Junho, 2022 397 palavras
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braço

Nesse verão, passeámos no
campo e ouvimos a voz da
terra contar segredos sobre

nós. Não muito longe do lugar
onde uma casa respirava pela
chaminé como um ser vivo,

achámos uma porta quase velha
deitada ao chão, fechada para o
deslumbramento da manhã. Eu

quis ir ver o que escondia, mas tu
disseste que devíamos deixar o
passado atrás da porta. Íamos –

lembro-me bem – de braço dado.

***

ouvidos

Quando estou sozinha,
sento os mortos à mesa
e dou-lhes de comer –
um prato a cada um, em

troca dessas histórias que
morro de saudades de os
ouvir contar. E escuto-os

com a velha paixão – tal
qual estivessem vivos –
para não me fugirem as
suas vozes da memória.

Às vezes choro, claro –
e nem é por eles já não
terem dentes e me
deixarem quase tudo no

prato; mas por os ver ali,
ao pé de mim, e me sentir
na mesma tão sozinha.


Maria do Rosário Pedreira nasceu em Lisboa em 1959. Fez os estudos superiores na Universidade Clássica de Lisboa, onde se licenciou em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Franceses e Ingleses. Fez ainda o curso de Língua e Cultura do Instituto Italiano e, como bolseira do governo italiano, esteve em Perugia a frequentar um curso.
Depois de uma breve passagem pelo ensino, que a influenciou a escrever para jovens, ingressou na carreira editorial, sendo hoje editora de literatura portuguesa.
A sua obra literária iniciou-se pela literatura juvenil com duas colecções que foram adaptadas à televisão e venderam cerca de um milhão de exemplares. Embora tenha publicado um romance e contos dispersos em revistas e antologias, é sobretudo conhecida como poeta, tendo publicado quatro livros, hoje coligidos num volume com o título Poesia Reunida, distinguido com o Prémio da Fundação Inês de Castro. Está traduzida em várias línguas e publicada em volumes independentes, revistas e antologias em diversos países. Tem participado em numerosos encontros de escritores em Portugal e no estrangeiro.
É ainda autora de letras para fado e canções e publicou uma biografia de Amália Rodrigues para crianças.
Tem um blogue sobre livros e edição, Horas Extraordinárias, que alimenta quase diariamente desde 2010. Escreve regularmente crónicas para a imprensa, algumas delas reunidas no recente livro Adeus, Futuro.

***

A foto da publicação é da autoria de Luís Barra ©


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