Como culpar o vento…
Como culpar o vento pela desordem do cenário se, afinal, fui eu que fechei a janela do tempo?
O coração ainda bate desordenadamente quando toco ao de leve nas fotografias que pendurei juntas numa das paredes do velho escritório, em cada uma delas me demoro o suficiente para recordar as carícias inventadas que se perderam nas minhas mãos, os olhares propositadamente desencontrados dos meus, insinuações teóricas dos amores que inventei para sustento da alma.
Uma a uma, a cor esvanece-se, o brilho vai-se, eu já mal as noto, deito-me no velho sofá da sala em ruínas e, de olhos cerrados, abraço-as longamente como nunca o fizera. Rasgo-as como sempre acabo por o fazer, mas hoje a cola que ainda restava é uma pequena bola dura e seca, já sem utilidade.
Corro atrás do tempo, a velha Rolleiflex arrumada no que resta da gaveta do armário carcomido pelo caruncho tem apenas um rolo amarelado sem préstimo algum.
Deixo-me ficar, o olhar posto nas frechas do tecto por onde corre a última chuva da tarde nublada, a sombra do corpo gasto enrolado naquele chão de vigas húmidas é a minha única companhia. Subitamente, levanto-me, abraço-me, o longo abraço que sempre rejeitara, o afago das mãos quentes, a ternura dos dedos na face, o sorriso junto aos muitos outros que tinham passado despercebidos porque sempre cuidei desnecessários.
Solitário lobo das águas que, propositadamente, sempre deixara escapar companhia nas viagens no eterno Tejo até ao mar!