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Quatro poemas inéditos
Por Carlos d´Abreu Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 16 de Janeiro, 2022 786 palavras
Poesia italiana atual (versão bilingue) Anterior Notas sobre Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Szymborska (Ensaio) Seguinte

as folhas das tílias outonais
transformadas em borboletas
ocres, num planado e suave voo
descem levemente de encontro
aos sulcos deixados pelo arado
primaveril onde poisam suaves

é pois um chão atapetado
de amarelo intenso, que encontro
no meu caminho quando
mais uma folha de tília outonal
me intercepta e se acomoda
levemente na aba do meu chapéu

atravesso então de outono
o bosque caducifólio

homo urbanus que fazes aqui?
pergunta o gaio quando dele
vistosa pluma azul celeste deixa soltar

leve pluma azul que me saúda
e de mão aberta a amparo
e coloco na aba do chapéu
a fazer carava à folha da tília

ao embarcadoiro atalhei
e disse ao barqueiro:
amigo barqueiro
desta vez não atravesso só
acompanha-me a tília e o gaio

assim quando a casa arribar
prolongarei durante o inverno
as cores outonais do nosso bosque

***

através do poema já escrito
e em todos os pensados
existo em ti

porque o poema és tu
e mais eu sulcando mares
em busca de ilha na penumbra
da madrugada onde relampeja
o céu e ribomba o trovão

água doce sobre nós cairá
refrescando-nos a queimada pele
dum sol de zero graus
em atlântica latitude

qual o rumo a tomar?
só queremos um desembarcadouro
aos termófilos e potamófilos adequado
para nele assentar e amar

mas antes hidratar-me-ei
no teu corpo que a língua
erectilmente percorrerá
contraindo-te os mamilos
humedecendo-te os lábios

depois é o teu sexo
a solicitar-me que fertilize
a semente que transportas

e desse encontro há-de brotar
no vergel que nos espera
o mais belo poema da Humanidade

***

Indefinição

É na indefinição do banho
que a toalha desmoraliza
o robe cingido pelo umbigo
para adiar a sabonária espuma
e assim os versos se espraiarem
na curiosidade das tulipas amarelas

Tulipas que para lá dos cristais
acenam a dizer que a tarde
não merece o banho
por ser de cinzentos retorcida

Ajusta-se então mais uma vez
o adiado banhista aos fragmentos
vocábulos que deslizam entre portas
entreabertas na ramagem
da ameixoeira que o debrua

Só miradas longínquas mas atentas
saberão decifrar os ingredientes
contidos no movimento dos dedos
da pluma insuspeita e volátil

Pluma molhada que absorve
dos peixes-voadores as cores
na migração entre o oceano
e o delta do okavango

Também welwitschias acompanham
a peregrinação da pluma
e todos com fé desembocarão
no paraíso d’el bosco
retido pelos gamos del prado

Milhentas nuances adquirirão
então as alas dos cetáceos
quando vêm beber a morte
nas costas brônzeas dos baleeiros

E será nos corpetes que elevam
em exuberantes salões nutridos seios
que a baleia do jonas se cumpre
ou cumpriu pois a estética
mudou o rumo da bússola

É nessas chegadas e partidas
mas com saltos nas despedidas
que se incompletam as estrofes
para depois vaguearem os versos
se o sol sair do mar de feição

Mas se o sol não vier
pútridos dará com eles a rede
estendida sob o “céu dos pardais”
quando graciosamente copularem
sob o inocente olhar dos gatos
que montam guarda
aos teares dos ninhos

***

entendi “ameite” na pretérita
forma do verbo AMAR
mas logo para “amote” emendaste

não foi correcção fora reforço
afinal não houvera dessintonia
como recomenda a amatória formusura

COMO TE QUERO

imergi no leito como se voltasse
à amniótica placidez do útero
lugar de melódica calmaria

por mais corda não teres dado
a esta barca que é tua
contemplei o movimento
suave das barbatanas do correio
lendo cartas uma após outra
sem saber quantas estrofes
de teu corpo cobiçara

de quantas falta sentiste?

de nenhuma
deve ter sido de Outra

não não devoro estrofes a não ser tuas
apenas os teus versos me alimentam
é o teu corpo distante que me incita

és tu que representas a Humanidade
és MULHER e por conseguinte Vida
é contigo que o AMOR nasce e vive

é a ti que enxergo e escuto
é o teu cheiro que saboreio
é o teu corpo que tacteio

COMO TE AMO

chegam até mim as feromonas
tuas apressando-se as minhas
a responder ao chamamento

outras feromonas detectamos
talvez perdidas no ar
afectos buscando

que fazer quando com elas
nos cruzámos? como reagir
a esses humanos infortúnios
quando meigamente se aproximam
e desroupadas para nós posam?

como agir quando nos rogam
um pedacinho de nós?
é a placentária condição
que o diz e a biologia corrobora

não será a monogamia anti-
-natura por pertencer cada um
a si próprio? é entre alguns
primatas cultural construção…
é a biologia que o afirma

não desigualará a monogamia
os géneros não perturbará as
relações não fomentará o poder

que desvirtua a Humanidade?

é certo que a solidariedade
se recomenda mas é dentro
de ti que confortável nos sentimos
para poder nascer outra vez
depois de te aspergir a madre
e poderes nascer comigo

e ao nascer renovo-me e
renovo-te e retornamos
ao princípio do Mundo

percorre neste momento
a minha pluma os teus
mais íntimos recessos

meu AMOR

diz que me queres aconchegar
no teu arcano. diz-me:
entra; entra em mim
e povoa o nosso segredo


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