Digo-te o corpo.
Em mim
ele se forma.
Digo os olhos e a
boca que me fala,
as mãos que,
de repente, me faltam.
Digo-te o desejo,
o sexo, o beijo,
a derradeira intimidade
desta ausência. Digo-te
assim, como quem perde
o quando que encontra.
Só isto, isto,
concede a horas, os anos, o dia
quando não sabemos o que mais dizer,
e quando e porquê, quando és já
esta só palavra recolhida, este dizer
frio, e denso, conscienciosamente
denso, e frio; tão perto
tão longe de tudo o que te digo.
Mas é todos os sábados assim;
a Senhora Laurinda rega já
as plantas da entrada,
o Sr. Zé abre de novo a mercearia,
os carros olham-me nos olhos
e desprezam a passagem,
uma mulher atravessa a rua
sob os séculos de roupa vestida,
e penso por que escrevo.
Traço o caminho por que te
perdes, neste alcatrão quente,
depois de um mau dia de trabalho
(não vendias já nada há que tempos,
é verdade), o peso do peixe sobre
a cabeça, inclinando-te para os anos.
Uma caneta vergada, atenta,
que observa a cada passo a cada dor
cada nossa ausência.
A língua estende seus dedos
às pétalas do Outono. Retém
no leito quente a sua raiz.
Três da tarde, três folhas
pendidas sobre a mesa fria de cedro
e uma pequena chávena de chá
começa por amolecer as bordas
de toda a estrutura.