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Palavra, Presença e Ausência nas Obras de Wenders e Dreyer (Ensaio)
Por Maria Brás Ferreira Publicado em Artes, Cinema, Literatura, Portugal a 19 de Setembro, 2021 3503 palavras
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Palavra, presença, ausência

(Paris Texas, Wim Wenders e Ordet, Carl Dreyer)

 

Tendo em vista a atribuição epigráfica à leitura comparada de Ordet de Carl Dreyer e Paris, Texas de Wim Wenders, que me proponho realizar, evoco o poema “Ausência” de Vinicius de Morais:  

“Eu deixarei que morra em mim o/ desejo de amar os teus olhos que/ são doces/ Porque nada te poderei dar senão/ a mágoa de me veres eternamente exausto./ No entanto a tua presença é/ qualquer coisa como a luz e a vida/ E eu sinto que em meu gesto/ existe o teu gesto e em minha voz/ a tua voz./ Não te quero ter porque em meu/ ser tudo estaria terminado/ Quero só que surjas em mim/ como a fé nos desesperados/ Para levar uma gota/ de orvalho nesta terra/ amaldiçoada/ Que ficou sobre a minha carne/ como uma nódoa do passado./ Eu deixarei… tu irás e encostarás a/ tua face em outra face/ Teus dedos enlaçarão outros/ dedos e tu desabrocharás para a madrugada/ Mas tu não saberás que quem te/ colheu fui eu, porque eu fui o/ grande íntimo da noite/ Porque eu encostei minha face na/ face da noite e ouvi a tua fala/ amorosa/ Porque meus dedos enlaçaram os/ dedos da névoa suspensos no/ espaço/ E eu trouxe até mim a misteriosa/ essência do teu abandono/ desordenado./ Eu ficarei só como os veleiros nos/ portos silenciosos/ Mas eu te possuirei mais que/ ninguém porque poderei partir/ E todas as lamentações do mar,/ do vento, do céu, das aves, das/ estrelas/ Serão a tua voz presente, a tua/ voz ausente, a tua voz serenizada.”

No poema é figurado um sujeito que abdica do próprio desejo sobre a entidade que apostrofiza. Na base dessa renúncia reside mágoa e cansaço – únicos sentimentos veiculáveis para o outro – não obstante a representação enquanto presença de “vida” e “luz” de que esse “tu” constitui. Com efeito, perante a impossibilidade de presença e de gesto, porque tê-la implica estar “terminado” (a partilha com o “outro” que provoca o apagamento do “eu”, não compatíveis com a lógica narrativa que se faz por reflexos), a escrita, a palavra (remetendo para o filme de Dreyer) ressuscita-os em formas concomitantes, nas quais os gestos e vozes de ambos se confundem, num estado de presença ausente: “E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz”. A forma como as entidades compreendidas no poema se dispõem é particular do dispositivo narrativo, quer este se decida enquanto texto literário, quer enquanto cinematográfico. Parecendo imprimir uma contrariedade, o “eu” poético, restringido à ausência, inscreve-se a si e ao objeto de interlocução (neste caso, pacífico, pois não responde) no poema, espaço de temporalidades permeáveis, cujos limites são delineados em unidades, apenas no momento da leitura, surgindo condensados no intervalo comum temporal e espacial do texto. Ser fé e marca do passado são as pretensões movidas sobre o “outro”. 

Paris, Texas, produção cinematográfica de 1984, com a direção de Wim Wenders, abre com um plano móvel, um travelling (sugerindo acompanhar o olhar panorâmico do leitor sobre a tela) do deserto do Texas. Um falcão surge em cena, antecedendo Travis, o qual surge consubstanciado no meio árido e despovoado; a câmara centra-se, finalmente, no protagonista, no que parece ser um gesto obediente ao primeiro olhar do animal predador: Travis é vítima do meio, condenado à impossibilidade de vínculo com os outros membros da sua espécie. 

Desaparecido há quatro anos, é pai de Hunter, uma criança de oito anos que vive com os seus tios, Walt e Anne, em Los Angeles, fruto da relação conturbada que manteve com Jane, de idade significativamente inferior. Procurando água chega à clínica de um emigrante alemão, de estrutura improvisada, no meio do deserto, onde desmaia, situação sobre a qual Walt – irmão de Travis – é notificado. Assim se dá início à viagem de Travis, de tónica peregrinante, agora contando com parte ativa do protagonista. Note-se que o acesso ao mundo da cultura, da linguagem e da escrita (inscrita) – que se faz na relação e na partilha com o “outro” e com o meio (e não pela inserção meramente natural, quase biológica, no mesmo) – começa logo que a câmara incide sobre o rosto de Travis, o qual se torna alvo de intenção criativa, corpo cujo gesto se torna passível de ser interpretado, sem que Travis olhe diretamente para a câmara, sem acusar qualquer espécie de participação (activa).

O primeiro vestígio de escrita do filme manifesta-se na clínica, correspondente ao primeiro estágio de aculturação, linguagem e comunicação, não obstante ser, num momento inicial, desprovida de palavras reagentes, situando-se entre a profecia e o conselho: “The dust has come to stay. You may stay or pass on through or whatever.” O pó imperará, a presença inútil resultante da desabitação, da ruína, podendo ser-se ou não consumido pelo mesmo: pulvis e et in pulverem reverteris per quam vesnisti .“Do pó vieste, ao pó tornarás”: Travis integra-se no espaço desértico, simulacro simbólico de nascimento ou de morte, sem encerrar um intervalo, que corresponderia à existência enquanto agente ativo e consciente de si; assume uma posição de passividade – atente-se no nome do seu filho — Hunter, “caçador”, o que, rapidamente, nos remete para a cena do falcão, uma ave de rapina, a olhar Travis enquanto presa.

Com efeito, não parte de Travis a iniciativa de juntar mãe e filho, com o qual nem contava para a sua partida para Houston, o autor é sim Hunter, que orienta o próprio pai, numa lógica invertida de posições parentais. Travis sai do pó do deserto para a cidade, onde procura recuperar, não uma condição paternal ou filial, logo, relacional, mas a sua própria identidade. No fim, conclui-se que o seu destino é a partida, a viagem, como refere Robert Philipp Kolker, no ensaio “Between the Winds”, “the purgatory of adulthood”: adulto, homem de meia idade, parte em busca de si, de si antes mesmo de poder nomear-se, relacionar-se com os outros e inscrever-se numa família (ou num filme…).

Neste sentido, não menos importante será lembrar o terreno baldio, comprado por Travis, e do qual detém uma fotografia, por ser o local onde terá sido concebido, e que estabelece como seu principal objetivo, motivo de obstinação: alcançar aquele terreno, ir a Paris no Texas. Travis move-se em busca da sua identidade — ou da pedra de toque que melhor o dinamite num território pouco autónomo, ainda que obstinadamente isolado —, de modo obsessivo e controlador: tomar parte, mesmo que a posteriori, de um momento do qual estará sempre, inevitavelmente, excluído – a sua conceção, momento que o marginaliza, que resulta do contacto e presença de dois corpos, num corpo e num tempo que não o seu. Vive, assim, movido por uma impossibilidade.

O desejo e o comportamento omnipotente (próprio das crianças), ao qual aspira, que no passado é conscientemente movido sobre os outros, de modo mais primitivo (na violência física para com Jane), e agora sobre si mesmo, ser-nos-á clarificado aquando da confissão final a Jane, numa cabine de um bar de prostitutas em Houston. 

Travis reencontra o filho, que o reconhece como pai após a visualização de um filme expositor (arquivo) de cenas em família, em que todos participam: Anne e Walt, Jane, Travis e Hunter. Parece então que o espaço que possibilita o reconhecimento de Travis, por parte dos outros, está no passado, enquadrado em formas narrativas estanques, como são as de uma gravação fílmica. No entanto, é Hunter que, após a visualização, beija a face de Travis, dizendo “Good night, father”, à semelhança do que faz com Walt, seu pai adotivo por metade dos seus oito anos de vida. 

Espaço e fronteira são conceitos contidos na teorização daquilo que é o processo comunicativo da linguagem: após o reconhecimento de Travis enquanto pai, por parte de Hunter, o nosso protagonista procura aperfeiçoar a sua imagem, a qual deve ser coincidente com a imagem modelar de um “pai”. É neste sentido que se dirige a Carmelita, a empregada mexicana, a quem pede conselhos, e que lhe expõe duas opções únicas, ser um pai rico ou um pai pobre, não havendo meio-termo (afigura-se, a Travis, a impossibilidade de um ponto de equilíbrio no qual se possa configurar e que permita a coexistência de duas formas diversas). 

É clara a relação intrínseca, e mesmo identitária, fundada entre Travis e o México, mas também com França; no fundo, o que o transcende e o que não cabe no sistema norte-americano. Sugere-se, assim, a falta de especificidade cultural, espacial ou territorial que o integre. De pai e mãe espanhóis, a ascendência hispânica de Travis é lembrada em vários instantes do filme: quer na sua conversa com Carmelita, que o ajudará a restituir a posição paternal, quer na música que canta, em espanhol (música essa denotadora das saudades da infância). O marginal conduz à origem ou, pelo menos, ao desejo de conhecimento sobre (ess)a origem: Travis pretende reconfigurar-se pela periferia que o define – pelo México,infância, ou melhor, por concepções (suas) perdidas, numa viagem de perdição. Travis é portador de uma identidade difusa e instável, para a qual a ironia de um reencontro limite parece não bastar para atenuar a melancolia que motoriza o movimento do filme; de uma narrativa meia-vivida, meia-contada.

O mesmo não sucede em A Palavra: Dreyer abre o seu filme com um plano da casa e do nome de família “Borgensgaard”. No filme, duas famílias organizam-se segundo ideais religiosos distintos, não deixando de relevar o fator congregador da família, do nome e da casa. Numa pequena comunidade na Jutlândia, Morten Borgen dirige uma quinta e a sua família de três filhos — Mikkel, Johannes e Anders. O primeiro está casado com Inger, grávida do terceiro filho; Johannes é um antigo estudante de teologia que, consumido pelo estudo, enlouquecera, identificando-se com a figura de Jesus Cristo, andado, à semelhança de São João Baptista no deserto, a pregar a palavra de Deus, seu pai do céu; o terceiro filho, Anders, está apaixonado pela filha do alfaiate, líder intransigente de um setor religioso oposto ao de Morten, chefe do outro núcleo familiar, sobre o qual se estabelece a problemática da narrativa. A fim de proteger o filho, Anders, e o seu nome de família – alicerce basilar da identidade – dirige-se a casa de Peter, o alfaiate, surgindo no primeiro plano do episódio uma tabuleta com o nome do chefe de família, “Peter Peterson”. A importância do nome e da família, concretizadas em dois núcleos, é promotora da formação de géneros de clã.

Wenders, para o reencontro de Travis com Jane, faz-se valer de uma cabine de estranha e complexa disposição: uma parede espelhada no lado dela separa-a dos seus clientes, os quais, do outro lado da cabine, utilizam um telefone para comunicar com Jane, que os ouve em som difuso. Circunscrita a uma sala, privada da visão do rosto de quem serve, Jane só ouve as vozes dos clientes, as quais, dirá posteriormente, lhe soam sempre à voz do ex-companheiro, e a voz, juntamente com o conteúdo dos enunciados, é tudo o que presencia. Jane é, assim, à maneira de Travis, a criança adulta, que está privada do corpo do outro, mas (e aqui reside o elemento diferenciador de Travis) que se disponibiliza cegamente, como que procurando uma atenção desmedida, acatando ordens e procurando satisfazer os mais velhos que a dominam – à semelhança das crianças (lembremos Travis a lavar a loiça, a limpar a casa e a engraxar os sapatos da família, em casa do irmão, numa clara demonstração de habilidades para o filho ou para a família que representava o filho e as suas existências apartadas). Todavia, ao contrário de Travis, Jane é “uma boa ouvinte”, capaz de se dedicar ao outro, disponível para a interpretação (pelo reconhecimento duplo que assina, de Travis e de si mesma – o reconhecimento dá-se na primeira pessoa, contrariamente ao modo como a confissão foi exposta, na terceira pessoa, estando implicada uma interpretação), ainda que a sua condição revele a falta de intimidade com Travis, cuja voz não identifica imediatamente. De igual forma, a circunstância de a exposição da sua confissão ser feita na terceira pessoa estigmatiza, não pela primeira vez, o distanciamento de Travis, o qual não se inclui na sua narrativa, tampouco permitindo uma interiorização.

Não nos esqueçamos da idade menor que Jane apresentava aquando da gravidez de Hunter, nem da relação de posse que Travis com ela mantinha, o que resultaria em prisão e ciúme patológico resolvido em fuga, situação que se prolonga, simbolicamente, na forma como os dois estão dispostos na cabine: Jane é, assim, enquadrada num espaço (surge sempre e apenas em espaços interiores e fechados), contrastando com Travis em permanente deambulação, a céu aberto, alvo cego de objetificação; Travis regressa e, assumindo a antiga posição dominante, conta-lhe, já sabemos, na terceira pessoa, virado de costas para Jane, a sua história com ela. Se por um lado Jane permanece de visão bloqueada para Travis, por outro, o corpo deste sofre um apagamento e a sua presença pauta-se pelo som que se difunde, sem captação possível; não é capaz de encarar Jane (e aqui, o verbo “encarar” adquire a sua acepção mais essencial – olhar um rosto e oferecer o rosto ao olhar, simultaneamente), pelo que a sugestão é de que o enunciado se dirige a si mesmo: um outro Travis, a meio-caminho de completar a sua viagem religiosa: ser uma espécie de deus que entrega o filho rapaz, seu descendente, à mãe, partindo em busca de uma verdade originária. 

Inger, em A Palavra, é uma mulher simples, dona de casa, mas que ama o marido independentemente da sua descrença em Deus, afirmando que o importante é ter um bom coração; representa assim a transigência esperada do cristianismo e que, tanto os dois chefes de família, opositores ao amor entre dois jovens, como o novo padre da aldeia, o qual não acredita em milagres no seu tempo e dirige-se às pessoas por obrigação, não possuem. É também Inger quem afirma que a maior piedade deverá recair sobre Morten, o pai, e não sobre Johannes, dado o primeiro ultrapassar uma crise de fé, ao passo que o segundo poderá estar mais próximo de Deus. É a esposa de Mikkel que levará à reconciliação entre as duas famílias, e à prova de que a palavra, a par da fé, é o elemento congregador, instaurador de um curto-circuito reflexivo sobre o corpo: Morten e Peter que conversam sem entendimento, contando com o aviso de Peter que deseja o regresso de Morten à fé, mesmo que tal implique a morte de Inger, enquanto dá à luz um filho que nascerá morto, acabando também por morrer; Johannes que inscreve numa folha de papel, dimensão material da escrita, uma citação de São João Batista, de cuja figura parece constituir tradução figurativa ao longo do filme, antecedendo o momento da sua partida; e, finalmente, é Johannes, o homem do amor e fé puros que, pela palavra que ressuscita, “Inger”, o nome, devolve a vida à cunhada, encerrando o filme abraçada a Mikkel, que afirma amar também o seu corpo. 

Antes de falar com Jane e partir, Travis deixa uma mensagem de voz a Hunter, na qual se despede: ouvimos o texto na voz de Travis e a criação da gravação é simultânea da receção da mesma por Hunter e da sua audição posterior pelo próprio Travis. Na gravação, este afirma que Hunter pertence à mãe, culpabilizando-se pela separação dos dois, posição pela qual se distancia uma vez mais. De seguida, afirma ter medo de partir, sendo embora o seu maior receio enfrentar o medo – e deste modo se despede. Ora, sentir algo – como o medo – corresponde a uma condição humana, própria das relações sociais. Todavia, sentir medo de sentir é remetente para um estado de dormência e indiferença, discordante da mesma condição humana e discordante da comunicação e da narração, as quais implicam um distanciamento concomitante com a afirmação pessoal do sujeito enunciador, impossibilitado pelo medo se este for autocentrado (hipótese plausível, à medida de Travis, dada a sua obsessão em se auto-dominar em momentos nos quais não tomou parte e não pode já tomar, como o da sua concepção). Johannes, por outro lado, ao intitular-se filho de Deus, afirma uma posição, para se dirigir aos outros e difundir a fé. No entanto, é a fé deste homem, juntamente com a morte física de Inger, aparentemente desvalorizada pelo padre, que constituirão o conjunto superlativo da reconciliação entre fé e corpo, entre fé e vida, entre fé e amor. Não será, por isso, despropositado o espaço escolhido para essa reconciliação, o velório de Inger: antes de o caixão ser fechado, surge Peter a conceder Ana à casa dos Borgen, reconciliação essa que conhecerá o seu momento apoteótico na ressurreição de Inger através do pronunciamento do seu nome como forma de salvação, por parte de um homem da verdadeira fé, não institucional e dogmática.

Curiosamente, e julgo situar-se aí a essência explicativa da personagem enigmática de Travis, a figura com a qual mais parece identificar-se é a de um louco que, do cimo de uma ponte, inserido numa atmosfera nebulosa, prevê o apocalipse. Travis e o louco colocam-se lado a lado: este parece dirigir-se ao primeiro, o qual passará a mão nas suas costas, num gesto empático. A condensação das duas personagens lembra a figura de São João Batista a pregar no deserto, que, por sua vez, nos remete para a personagem de Johannes: ambos profetizam, um assinalando o fim do mundo, o outro condenando os malditos que não têm fé. No louco, Travis reconhece-se, e esta identificação clarifica-se pela forma como a cena é filmada: vemos Travis a caminhar pela ponte, enquanto ouvimos as palavras do homem que apenas surge na imagem juntamente com Travis, parecendo personificar a sua depuração exteriorizada e mais primitiva, num espaço que transcende a cultura própria do humano (vemos os carros a passar na autoestrada debaixo da ponte), quase religioso (discursivo — local da pregação). Esta personagem determina, em tom de aviso, a perda de todos os bens materiais (do corpo exposto ao perigo do fim, da morte), a insegurança que prevalecerá, ao que acrescenta “You will all be extradicted to the land of no return. It’s a navigation to nowhere.” Levanta-se a questão: que terra sem retorno é esta? A resposta afigura-se relativamente clara: Paris, Texas, o espaço da conceção. Aí não pertencerá nunca, e daí nunca regressará; a sua obstinação numa impossibilidade será clausura existencial, de desígnio identitário irredutivelmente reflexivo (na obstinação implosiva dos predicados refutados).

Enquanto no filme de Dreyer a palavra constitui a ponte intersubjetiva, a transcendência como ligação ao outro, em Paris, Texas é marca e resíduo da ausência e da impossibilidade da comunicação. O vínculo falha, a identidade é difusa, as formas escritas que povoam a narrativa fílmica são ignoradas pelo protagonista, personagem predominantemente muda, narcisicamente enclausurada, cujo regresso não é reencontro do outro, mas demanda insaciável e delirante da própria origem, em posição oposta à do sujeito do poema de Vinicius, pela inexistência da voz do outro em si. Impossível voz presente, impossível voz ausente. Impossível voz serenizada.

 

Bibliografia:

Gómes García, Juan Antonio, in Carl Theodor Dreyer, ed Fundamentos, Madrid (1997) pp: 155-167

Kolker, Robert Philipp e Beicken, Peter, in Films of Wim Wenders (The): cinema as a vision and desire, ed Cambridge University Press, Cambridge (1993) pp:114-137


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