Cura
É preciso acender o mundo
com a boca.
Com o sol da nuca.
Com o coração.
São precisos todos os faróis.
São precisos todos os relâmpagos.
Todas as palavras
são precisas
Para acender o mundo.
É preciso
No fundo de um rio
Uma pedra
uma ideia de liberdade
No centro do coração.
Um chapéu na cabeça
Talvez.
É preciso olhar com mais atenção
Para uma pedra
Para um rio
Para uma árvore.
É preciso olhar com toda a atenção
Para o interior de cada ser
E ver nele o teu fundo
Mais sincero
(Mas tu não tens fundo
tu não tens fim.)
É preciso em cada estrada uma curva
Em cada deserto uma sombra
Pegar numa corda
E fazer um baloiço
Amarrado a um tronco seguro de uma árvore
levar uma memória até ao paraíso
Apagá-la para sempre:
Acender todo o caminho
Como uma cura
Em tudo maior
É preciso em cada mão
Outra mão
Até a sabedoria ser a nossa anatomia
É preciso acender o mundo
Com toda a luz do coração.
A fazer hoje:
Escrever um poema sobre a liberdade e vê-lo arder.
Vivo.
Como uma mãe.
Escrever no centro do coração que o amor é o homem inacabado.
Respirar.
Respirar.
Respirar.
Pedir pouco.
tão pouco…
quase nada.
Olhar de frente o sol.
Agradecer.
Olhar de frente a estrela mais pequena.
Agradecer.
Ver um caracol subir um vaso, uma planta, comer uma folha, abandonar a sua casa.
Agradecer que se tem família, agradecer que se tem amigos,
Olhar uma flor roxa fechar-se na noite.
Empurrar a minha filha no baloiço.
Dizer-lhe que nunca tenha medo.
Abraçar a Ale.
Tomar um café quente.
Pedir pouco.
Tão pouco.
Quase nada.
In Ode Menina, Editora Exclamação, 2021.