Ascensão
Demora a saber, o lugar de cada porta
O canto forrado por uma ave morta
As mãos que percorrem loucamente cada parede, até o ledo extenuar do sol.
A princípio talvez fosse uma floresta imensa, um sítio próprio para as águas,
Uma chave que encerrasse a linha irrequieta
Sobre a mesa talvez pratos, que não destoassem
As tuas mãos como um sinal cardíaco,
Onde habitam todos os presentes
Todas as tardes que as gaivotas puderam negar
No fim uma luz invadira um quarto,
Como deve ser
“trazes para a urze a violência da urze”
crescias preso aos bichos e aos objectos
a tensão muscular quando a terra se move
a tua face perdida quando a terra se move
os músculos tornando-se superfície, movidos pela terra
entrando contente na multidão que passa
beijando as carcaças em fogo
vasculhando as pedras sagradas
cobalto e azeviche
percorrendo o som cardíaco e horizontal da terra
percebias os ecos das batalhas, das frentes floridas
que os homens sagazes movimentam
perdendo a cabeça entre os ossos da infância dúbia
“trazes para a urze a violência da urze”
incendeias os pastos com o teu braço de semear
o clamor das ondas na quietude das casas
onde a boca rígida se faz luz
e a luz pernoita em qualquer varanda-dolmen
estranho esse teu corpo
jaz para os meus olhos
agora é o quadro que sentava em silêncio
as beiras e o poço que fazes com os dedos
a árvore gritava cedo
a carne dobrava como um cristal barroco
como a medida de todas as coisas ali, agora.
o tronco espelhava a água inclinando a língua da potência entrelaçada
ficam em casa os perpétuos azuis
as queixas de lima com que se condenam os vivos
cedo porteiam os veículos imperceptíveis
plásticos de contentamento
e a frágil urbanidade do teu rosto faz nascer tratados fúteis
girando como covis, como sedes novas
num precipício empedernido e voraz
o pesadelo constrói-se e solidifica-se sob o pesadelo
só a madeira persiste, num gesto técnico de vão aprumo
penso nos fastígios da paisagem, nos cumes alugados
à leda rebentação
no chão, todas as certezas tendem para o seu gume assassino
a mão torce o pano, empacota as últimas loiças
rude levo à boca (o punhal em fogo) a ideia de dentes
o céu apruma e impede os nomes de acabarem
é fútil o gesto do rebanho
era na terra breve
à fria diagonal dos dióspiros
semente tremendo,
dissolução da chama das hostes
era no obliquo pensar viço
onde os pomos celestes colhem auroras
e tu bebes as maleitas dos nomes
dia do cerco fluvial
em Neguev,
os teus pés pisaram a famigeração
dos monos cordiais
infantes
dançando no negro dos primeiros círculos
na curva da serena plantação
foi noite durante épocas de
estio e fantasia
Miguel Queiroz (1986) nasceu em Lisboa e licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa.
Estudou depois Filosofia e Inglês em Paris onde concluiu o mestrado (Université Paris-Sorbonne).
Ensina nessa mesma cidade numa zona de educação prioritária e também na Universidade de Paris-Saclay.