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Post-Scriptum Para Uma Memória Futura
Por António Salvado Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 3 de Junho, 2021 333 palavras
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Post-Scriptum Para Uma Memória Futura

I

Renasceste d’aonde, solidão? Que via
de sombra atravessaste, que neblina
conseguiste vencer, que precipícios
venceste mais além ou que ravinas
trepaste incólume até mim chegares?
Há quanto não sentia os teus confins,
do teu poço a secura, o extinto mar,
e súbito m’envolves oprimindo.
A tua lassidez varreu meus dias
que vou talhando… E sem saber porquê
me cobre sem razão esta tristeza,
este degredo que não tem sentido?

Mas se alguém vai deixar de m’acenar
com débil sol d’esperança não direi adeus
e saberei dizer-lhe p’ra trilharmos
a mesma via sob o mesmo céu.

II

O dia a dia libertou-se firme
de tudo o que o manchasse, o maculasse –
chamou a si e para sempre o ar
e a cor da casa onde nasci vivi,
e a limpidez da água e sobre a mesa
as fatias de pão com alguns frutos
e os beijos e os abraços de ternura
e as horas luminosas de surpresas.
E a minha vida retornando a ser
a brancura das páginas d’um livro
reaprendeu alentos em escrever
nessas páginas a luz d’aqueles dias.

Abrigo o que restou desses naufrágios
Que me vazavam sopros derradeiros:
pesos que me amesquinhavam turgidez ao peito
e que tiraram força à própria alma;
os murmúrios de vozes soletrados
e quase a medo, feixes de receio
(não fosse alguém ouvi-los, já desfeitos
tão ‘svaídos e sons de vãs palavras).
Traça a memória agora sulcos e por eles
hão-de passar resíduos aturdidos
e prestes, porque crespos, a morrerem?
Firmeza e nunca mais se repetirem
os negrumes de intensos desesperos,
outros naufrágios prestes a ferirem?

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E o canto revestiu qualquer desar
continuamente a fulgurar em mim:
raios de sol em música tornados
e um bordão multicor de peregrino.


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