menu Menu
Inéditos de Graça Pires
Por Graça Pires Publicado em Literatura, Poesia, Portugal a 3 de Junho, 2021 333 palavras
Inéditos de André Alves Anterior Poemas de Teresa Alvarez Seguinte

Música

 

Convoco o rumor das teclas de um piano

em sonata de beethoven.

E ouço o grito intenso do silêncio,

o vento enlouquecido,

um inaudível lamento,

uma luz no secreto rosto de deus.

É o coração seduzido

pela sublimidade da música.

Como se fora água pura

em diálogo com a terra fecundada.

Como se fora prece

a implorar o valimento da vida.

 

 

 

 

 

Atrás do vento

 

Ainda que não sejam lineares

os caminhos percorridos

já esquecemos aquilo que, em cada etapa,

foi tropeço, queda, viagem inacabada.

Fincamos os pés sedentários em avanços e recuos

até que o movimento da vida nos torna viajantes

e aventureiros sem recear distâncias.

Às vezes corremos atrás do vento,

numa espécie de estonteamento,

sempre próximos do começo

dos primeiros passos, à procura do lugar

onde fica a casa em que nascemos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hoje basta-me um muro de barro

para derrubar nele o som da minha voz.

Não sei se é de musgo ou de lodo

o rumor matinal do meu rosto

a reflectir a noite, longa de sossego,

por onde passou a luz sem me pressentir.

Neste instante pouco importa a vertigem do corpo.

O lado azul da vertente é a minha obsessão

e sinto os lábios porosos, como um chão térreo,

à doçura espessa dos morangos.

Eu sou o lugar onde, inadvertidamente, me refugio.

No fundo das ruas que percorro existe, agora,

a linha transversal do meu poema branco,

e posso ver a limpidez total do perfume

que as madressilvas entornam no ar

quando roçam os cabelos das crianças.

 

 

 

 

 

 

 

Gastei as mãos amarrando barcos à infância.

Agora, no lugar da minha sombra,

cresce uma praia onde as gaivotas

aguardam que o sol

lhes devolva o brilho das pupilas,

ou as cegue para sempre.


Anterior Seguinte

keyboard_arrow_up