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12 Textos de Prosa Poética
Por Maria Teresa Dias Furtado Publicado em Literatura, Portugal, Prosa Poética a 3 de Junho, 2021 1705 palavras
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“12 Textos de prosa poética”

 

AS NOITES

QUANDO AS NOITES SE ILUMINAM

Quando as noites se iluminam

Quer dizer que alguém acendeu todas as letras Do alfabeto, conjugando surpreendentemente

O xadrez das palavras e das frases, e não Sucumbiu a esse golpe mortal!

Moveu-se nos labirintos de um jardim de Aromas e inspirou os cheiros a insuflar

Nas palavras que escreve, entre a vigília e a Insónia. A atenção concentra-se no que se Refaz e no que se desfaz procurando um ponto De equilíbrio. Os corpos dormem, quase jazem.

Na senda da labareda da vida seguem-se as Frases e os parágrafos, abrindo caminho nos Veios de sentido escavados com os dedos, Com os olhos. Noites assim terminam e não Terminam. Voltam ao ponto de partida, tecido Na seda do silencio, voltam sem retroceder, Prosseguir é o seu caminho.

***

 

O FLUXO DA NOITE

A beleza e o terror caminham muitas vezes juntos.

Quase sem ruído apertam as mãos e saem da mão que escreve e estremece. Silêncios e vislumbres, ameaças e entraves, caem muros, altera-se o céu ávido de madrugada. A memória é uma névoa que se apodera do escuro. Que reter de tanta ostentação limitadora? Talvez Celan tenha dito que a vida é a morte e a morte é também uma vida.

Os gumes que atravessam a noite fluidificam-na e é difícil escolher entre opostos. O corpo oscila procurando equilíbrio, a mente decide entre obstáculos onde permanecer e tudo isso flui no dealbar da manhã, fim do sono ou insone.

***

 

OPACIDADES

No poço da noite, nos arames que dividem espaços, no coração apertado, na razão em pedaços, circulam líquidos, humores, coisas perecíveis. Os voos correm risco de vida entre a noite e a madrugada. Há um “leite negro” que é bebido mas não infecta, apesar da repetição das tomas. Ambiguidades. Opacidades. Desmesuras do tempo que vivemos, palco para falsidades e lealdades. A vida arde nos nossos corpos, a respiração é por enquanto livre. O tapume da morte ora é visível, ora invisível. As atrocidades podem retrair, mas o coração interessa-se pela argumentação do raciocínio. Uma vida para viver, imperativamente.

***

 

CONTRALUZ

O mundo está mergulhado na luz e na sombra. Sangra e cura-se. Caem as vítimas de si mesmos e as vítimas dos outros. Fingir não é uma arte, é uma artimanha. Os poderes forjam uma rede de captura. A liberdade tenta salvar o máximo de multidão. A tristeza tende a alargar o seu caudal, mas a alegria, própria do consumo eterno, engrossa de repente e estanca o avanço daquele cenário triste. Novas movimentações, remoção de detritos e atritos, areias, cinzas, restos. Sim, o tempo avança inexoravelmente. Abre flores e cardos. É tempo de ser tempo, diz Celan. E no tempo nos conjugamos nos vários modos. Falta escrever a gramática da alma, tão necessitada de forças e tão impulsionada pelo amor que teima em viver e reviver. Memória e esquecimento, vento sobre campas rasas e mares calmos. Maré, fluência, luar, existência e um espaço luminoso que pode ser o infinito.

***

 

Reflexões/ Reflexos

Os animais do luto arrastam-se com o seu peso e a sua cor. A leveza dos corpos é antiga, mas não actual. As recordações são inúteis e inacessíveis aos outros, mas persistem, teia aparentemente frágil mas duradoura. O mergulho na noite é hábil e ágil, segue a rota dos olhos que se mantêem abertos. Jogo de espelhos com perdas e ganhos, enganos e verdades. Percursos em bermas incertas. Conhecimento das falhas para recomeço. Longínqua, a infância dá sinais de um passado ainda presente mas marejados de sombras. A criança move-se entre obstáculos, acumula silêncios em torno do que captam seus olhos.

Ficar não é o seu destino. É preciso voltar a aprender.

***

 

DESENCANTO E ESPANTO

Apesar do encanto das paisagens com suas brisas e aromas, há palcos dramáticos, sobrecarregados de acontecimentos trágicos,

há mortes sem conta pela força dos elementos e pelo argumento da força, vazio de razão.

A imaginação entra em cena para a alternativa da reconstrução e mune-se de materiais e de mestres. Esta imaginação tem consigo o raciocínio e o patrocínio de possíveis firmas.

A vida é surpreendida pelo espanto e nessa medida ganha espessura.

Rompendo passagens, todas as imagens vêm ao encontro umas das outras, formando um jardim poético, com poemas que se auto-pronunciam quando tocados. Os sons das palavras despertam o voo das borboletas que na sua insegura segurança libertam as asas e pousam no ar das palavras mais aladas. Um pouco como os Anjos que invisíveis nos tocam e nos abrem os caminhos que buscamos. Estarão junto de nós no transe da morte, a semente da saudade sempre a alastrar.

No escuro, os frutos. No chão, os corpos.

Se uma estrela é de cálcio, todo o firmamento se revigora e brilha, mesmo na noite de breu.

***

 

A SÉTIMA FLOR OUTONAL

DAS LONGAS NOITES

A flor está na penumbra, uma parte persiste na insónia. O corpo é essa flor em socalcos, inscreve-se na pedra da noite. Imagens desoladas, expostas à dispersão. Só a escrita as prende na forçada vigília e as alarga ao horizonte. O sono representa a morte e a vigília a vida. E na mente surgem canções e lembranças ainda vivas depois de tudo ter passado. O sangue percorre todo o corpo e o sopro está em cada momento. Distinções contraditórias e ao mesmo tempo justas. A sétima noite tem um seteestrelo numa abóbada incomensurável. No entanto o corpo parece desmembrar-se no ritual do adormecer. A cortina da noite é corrida e as estrelas começam a despontar.
há mortes sem conta pela força dos elementos e pelo argumento da força, vazio de razão.
A imaginação entra em cena para a alternativa da reconstrução e mune-se de materiais e de mestres. Esta imaginação tem consigo o raciocínio e o patrocínio de possíveis firmas.
A vida é surpreendida pelo espanto e nessa medida ganha espessura.
Rompendo passagens, todas as imagens vêm ao encontro umas das outras, formando um jardim poético, com poemas que se auto-pronunciam quando tocados. Os sons das palavras despertam o voo das borboletas que na sua insegura segurança libertam as asas e pousam no ar das palavras mais aladas. Um pouco como os Anjos que invisíveis nos tocam e nos abrem os caminhos que buscamos. Estarão junto de nós no transe da morte, a semente da saudade sempre a alastrar.
No escuro, os frutos. No chão, os corpos.
Se uma estrela é de cálcio, todo o firmamento se revigora e brilha, mesmo na noite de breu.

***

 

PASSADAS CINCO LONGAS NOITES

Derramou-se a escrita ao longo de cinco noites demoradas, abriu novos caminhos ao poema, essa partícula de nós que de nós se desprende.

As frases subiram terrenos alcantilados, atravessaram rios caudalosos, cidades em delírio, cais de pedra, portos amplos, diálogos desencontrados, encontros amigos e vibrantes, até chegar a última página, a que nunca se adivinha e se impõe por si.

As longas noites cinco nomeadas são vislumbre do tempo que vivemos entre inquietação e esperança, entre aspiração e decepção, entre ausência de expectativa e surpresa gratificante.

Quem está presente no momento que passa guarda as imagens do passado para melhor construir o futuro, a cada passo. A rotação da terra nos move sem nos movemos, a marcha do mundo aguarda a palavra desperta.

 

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SEQUÊNCIAS NOCTURNAS

1

O entardecer é hora mágica, misturando cores e tons, trazendo cada vez mais a acalmia, o fim do dia, o início de um tempo nocturno, por vezes com trevas, com cansaços e poucos braços… outras vezes sereno, emparedando a diurna agitação, a turbulência, alguma demência… Ó noite que quase aboles o tempo dentro do tempo, abraço amoroso de luar e estrelas vistas ao longe!… Sim, trazes o afastamento e a reflexão, as telas em branco, a seda por tecer… A sede de não saber para mais saber, mais tarde. A noite fecha e abre o mundo.

 

2

O dia todo ele cheio de vibração, desmaia agora nos braços do vento. O sol foi intenso e a gratidão também. Tanto tocou o íntimo de cada um, do fundo se levantou um desejo de uma vida mais plena e partilhada. Ouvia-se a oração de agradecimento de uma criança com deficiência – como era genuína! Na Capelinha contas eram desfiadas na súplica, no louvor.

Da música ficou no ouvido um clarinete e um órgão que exaltava numa melodia um amor grande onde cabem todos os amores. Reencontros. Abraços. No regaço de uma Mãe todos os encontros são de júbilo. O dia ainda desmaia, suavemente, deixando entrever o espaço nocturno.

 

3

Uma noite escura rasgada pelo fogo, espada destruidora em seu gume ardente e imparável. Terror pelo bem do nobre arvoredo e depois pelas aldeias atingidas e seus habitantes e bens. Nada tão frágil como a vida em qualquer lugar e momento. Cada bombeiro luta, tenazmente, impelido pelo ardor da sua vontade e saber. Noite de perdas e terror, noite insone.

 

4

É noite cerrada, o silêncio está instalado. Para ouvir as vozes que nos habitam, para o nosso hálito doce dar vida a um poema. Submerso, o dia. Trânsito mais ou menos intenso, procura de lugares e rostos. Aprender a descansar. Andar tranquilamente como se fosse à beira-mar, numa montanha ou num penedo donde se pode ver a estrada azul do rio que apaixona o olhar. Olhar alguma estrela, estar com todos, impetrando a união e a paz.


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