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Um conto inédito
Por Cláudia Lucas Chéu Publicado em Contos, Literatura, Portugal a 12 de Janeiro, 2021 593 palavras
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Uma certa tensão sexual ou o parlapié do porco

Há mais de quatro anos que não lanço um piropo. Desde que saiu aquela lei que proíbe um gajo de se meter com as miúdas. Nunca percebi qual é o problema, posso assegurar que a minha fraca criatividade nunca ofendeu ninguém. Sempre me limitei a proferir pelas ruas da cidade aquilo que ouvi o meu pai e o meu avô dizerem às moças lá da terra. Não percebo como é que isso pode ser crime e meter um tipo até três anos na choldra. Que exagero. Atenção que estamos a falar de galanteios inofensivos. “Ó borracho, queres por cima ou queres por baixo?” e “ó filha, fazia-te um pijaminha de cuspo”, sem deixar de citar o clássico “comia-te toda”. Que saudades. É claro que não ia comer ninguém, por quem é que me tomam? Não sou nenhum canibal. Acho que as gajas de hoje perderam o sentido de humor, é isso. Há uns anos até achavam graça. Por exemplo, uma vez no metro, uma miúda loirinha que não devia ter mais de dezoito anos ia sentada à minha frente, concentrada na leitura de um calhamaço. Aquilo era livro para cima de quinhentas páginas. Tinha uns olhos azuis bem bonitos, e umas mamas mesmo boas. Comecei por meter conversa, não sou nenhum animal, ok? 

      — Grande livro — disse-lhe num tom elogioso. Ela levantou os olhos gigantes na minha direcção e sorriu. Depois, voltou a baixar a cabeça e concentrou-se na leitura, sem me responder. Fiquei à espera mais um bocado. Ouvi o ruído constante da carruagem no túnel, aquele guinchar de ferro contra ferro, sabem?, a esfolar os carris e observei as mamas dela a baloiçar ao ritmo da carruagem. Insisti baixinho.

      — Enchia-te essas folhinhas de branco — a miúda levantou-se e foi para o fundo da carruagem. Não tirou os olhos de mim até chegarmos à estação. Vi-a sair. Ainda não lhe tinha visto o rabo. Que gaja tão boa. Não estava à espera que a miúda passasse pela janela do lado de fora e que me fizesse um piço. Ri-me, claro. E ela ficou ainda mais lixada, desaparecendo depois no meio da confusão de transeuntes. Sei bem que lhe dei ponta. Aquela irritação toda só pode ter sido provocada por uma certa tensão sexual. 

      Outra vez, numa rua perto de minha casa, cruzei-me com uma tipa da minha idade, cota e tesuda. Trazia uma saia curta de pele, é que estava mesmo a pedi-las. Quando nos cruzámos, eu disse-lhe com boas maneiras: “ó linda, queres subir à minha palmeira e lamber-me os cocos?”. A gaja ficou passada, chamou-me “porco de merda!”. É claro que tanta irritação só pode ter sido causada por uma certa tensão sexual. 

      Portanto, há mais de quatro anos que a minha vida nas ruas e nos transportes públicos é uma seca. Posso olhar mas não posso abrir a boca. O que é um bocado triste. Acredito que não estou sozinho. Há por aí muitos homens como eu. Privados de uma vida normal. Tanta coisa linda que temos de guardar só para nós. Já para não falar da falta que faz o convívio saudável.

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