COCAÍNA
eu podia ter arrancado aos jardins a falsa verdade. abrir a grade imersa num saco de plástico pequenino onde guardavas três ou quatro filas de coca. ajudar-te a penetrar as pregas de um escuro cristalino onde marchava o argumento mais astuto.
viajante atrás de um mal de seda. memória doce de um traficante a entrar pela porta dessa inviolabilidade perversa. dessa sombra nas esquinas em Lisboa onde a porta tem um fecho de como minha senhora se encontra o refúgio para os males do mundo. espelho meu espelho meu planos de passagem e esperteza rápida, a controlar as estrelas, a inventar matilhas na terra remexida. eis que surge a boca a escorrer no vinho do desejo e a crueldade das horas: na tua casa ou na minha? pergunta transparente na nódoa da noite e um tremor instintivo estonteado pela angustia da separação logo na primeira vez, na primeira noite, no primeiro vinho, no primeiro beijo numa carruagem de bifes e lepra.
na tua casa ou na minha? como um grito encontrado preguiçoso e lento a escavar no peito todos os refúgios de mágoas afundadas na terra do peito ainda quente, ainda rasgado com as unhas do tempo por todos os lados. a arder, em chaga perdida, em fogo entranhado no álcool da memória.
chegava um fio de azeite para iluminar o corpo. chegava apenas uma braçada de dor para chegar a casa. despir o casaco e depois a roupa toda e ficar assim calcinada na brancura do silêncio a esperar o amor que só de vez em quando perpassa a vida.
o sangue, esse imortaliza-se no milagre do sexo, cravado de hóstias em poças de metal plastificado com a descoberta dos prodigiosos amores de uma única expressão.
a seguir amo-te que é uma palavra fácil que honra o aqui do tempo e da garrafa de vinho aberta até ouvir a explosão de deus num ritmo alucinante da pele a sacudir o suor da doçura do encontro da luta do encontro do cavalo do encontro e do candeeiro tapado com panos vermelhos a quebrar o mistério da labareda de luz.
o silêncio engrandecido com a inocência de um amo-te sempre a seguir à liberdade do sexo. ao abraço da noite. ao sentido de tudo como se tudo fosse uma garrafa de oxigénio na cabeceira da cama a lembrar a atmosfera do sono profundo por mais fina que seja a dor. e o coração a bater nos flancos de um futuro alucinado. à pressa para não se esquecer onde estava porque isso muda tudo. isso muda o povoamento do mundo e a prova animal da próxima satisfação incompleta.
assim seja alienado o medo. a luxúria de um saquinho escondido na dobra dos lençóis. assim seja o alimento. assim seja o gesto sedoso de partir em vida. assim seja.
NO BETTER NAME
tenho a noite no circuito
dos olhos
fechados como o sangue
das pedras
as madrugadas
imaginárias onde tudo se
embaraça em paixões
deslizantes de faca na
boca
a penumbra da
idade quase bronze
na boca da morte
a loucura da chuva
a inventar ventos
à sua volta
o começo da coincidência
do amor
batente de porta
e de sinal aberto
não importa a raiz
importa a terra
não importa o abismo
importa o lago
o desenho redondo
das estrelas nas
pálpebras o lugar dos
círculos
planos da verdade
a terra lavrada
de crânios à mostra
a folhagem do
instante na lentidão da
morte
pedra a pedra
o túmulo do leite
onde sempre
acolhemos o invisível.