o cansaço alonga-se
nas ruas da cidade
exilada
sem rios para desaguar
a dor
roça as paredes das casas
e espraia-se nos bancos
dos jardins
não há notícia das chuvas
nem dos bandos de corpos
que mastigavam a sede
sobrevivem
meia dúzia de janelas
indefesas
e os acenos da memória
o último habitante feriu-se
quando tentou escalar
os dias
a Ricardo Reis
Mestre
quando a guerra terminar
farei um abrigo de rosas brancas
e lá nos encontraremos
e olharemos o futuro
em que juntos traremos o rio nos olhos
e conforme dizias
deixaremos que o dia passe leve
e sem pesar
entregando a agonia aos deuses
nossos cuidadores incautos
e ausentes de qualquer enleio
falaremos do exílio na pátria
que não no Olimpo
e soltaremos cada hora
roubada ao nosso momento
quando o dia acabar
e o abrigo de rosas secar
cada um de nós partirá
tranquilo
para o seu jardim indefeso
porque
as nossas mãos continuarão vazias
e os nossos sonhos
esses
estarão guardados no intervalo do tempo